O GLOBO - 30/11
As duas principais novelas concorrentes eram brasileiras, o que significa reconhecimento de um gênero que aqui, por preconceito elitista, ainda é considerado menor
Na última quarta-feira, a manchete do jornal era sobre a troca de acusações entre tucanos e petistas por causa de mais um caso de corrupção. Os primeiros acusavam o ministro da Justiça de forjar documentos para incriminá-los, e este revidava ameaçando processá-los por danos morais por ter sido chamado de “sonso” e “vigarista”. Por essa prévia, pode-se imaginar o que será a campanha eleitoral do ano que vem, quando certamente haverá um empolgante debate para saber quem delinquiu mais, se os mensaleiros do PT ou os do PSDB de Minas. O pior é que o bate-boca abafava o mais grave: a denúncia da multinacional alemã Siemens delatando às autoridades antitruste brasileiras a existência de um cartel — do qual fazia parte — que superfaturou contratos das linhas de trens e metrô de SP e DF entre os anos 2000 e 2007.
Na mesma primeira página que encaminhava o leitor para mais esse escândalo, havia uma espécie de compensação ou consolo: a foto de Fernanda Montenegro, orgulho da raça, segurando o Emmy de melhor atriz, o prêmio internacional da televisão que equivale ao Oscar do cinema. Alguém que estava na cerimônia de entrega me contou que Fernandona foi um “holofote de carisma” com seu banho de sabedoria. “É uma lição de vida no fim da vida”, ela disse no seu discurso de agradecimento. “Nós somos um continente meio esquecido.”
Mas, para resgatar a nossa autoestima, tão maltratada pela política, houve mais do que a consagração da intérprete de Picucha, de “Doce de mãe”, criação do cineasta gaúcho Jorge Furtado. Houve a vitória de “Lado a lado”, de João Ximenes e Claudia Lage, sobre a favorita “Avenida Brasil”, de João Emanuel Carneiro, que já foi vendida para 124 países. Quer dizer: as duas principais novelas concorrentes eram brasileiras, o que significa reconhecimento de um gênero que aqui, por preconceito elitista, ainda é considerado menor e para os quais muitos intelectuais sempre torceram o nariz. Por coerência naturalista, critica-se a inverossimilhança e a contradição de alguns personagens e tramas, esquecendo-se de que a culpa às vezes é dos arquétipos nos quais em geral se inspiram. Um deles está quase sempre presente também em romances, peças de teatro e filmes: o eterno triângulo criminoso-vítima-vingador.
Talvez seja a hora de parar de negar à telenovela valor cultural ou qualidade literária e aos novelistas a condição de escritores. Se não é escritor quem produz 20/30 páginas diariamente durante quase um ano, que é capaz de criar e administrar dezenas de tipos em vários núcleos e inventar intrigas que prendem milhões de espectadores, tendo às vezes que mudar o rumo da história original por imposição do público, se não é escritor um sujeito desses, me diz o que ele é, que quero sê-lo.
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