FOLHA DE SP - 30/11
RIO DE JANEIRO -- Os mais jovens podem não acreditar, mas houve tempo em que quem gostava de cinema só falava... de cinema. Era uma obsessão, tanto para os meninos que sonhavam tornar-se críticos ou cineastas como para os próprios cineastas e críticos. E do que esses meninos falavam? Dos personagens angustiados de Bergman ou Antonioni, da visão de mundo de Fellini ou Buñuel, do livro de Truffaut sobre Hitchcock.
Os cineastas, por sua vez, pontificavam sobre a fotografia do neorrealismo, a montagem descontínua, a câmera na mão e outras novidades, e de como pensavam usá-las em seus filmes. Enfim, era de cinema, e só de cinema, que se tratava nas sessões do Paissandu, da ABI, do MAM, da Maison de France, do Instituto Goethe, dos cineclubes. O mesmo acontecia em muitas cidades do Brasil. O cinema era o amor.
Mas isso já era. Para um grande cineasta brasileiro, "Poucas coisas são mais entediantes hoje do que discutir cinema. A conversa logo descamba para orçamentos e leis, Ancines e ministérios não sei do quê". O mistério da criação cedeu lugar ao da captação --o captador, não mais o artista, é agora a figura-chave da produção.
Quem diz isso é Domingos Oliveira, um diretor cuja inteligência honra o cinema brasileiro, num bilhete para o blog de nossa amiga Rô Caetano. Um ano depois de prontos --só agora os distribuidores se dispuseram a lançá-los--, e sob pesado silêncio, dois filmes de Domingos estreiam neste fim de semana no RJ e em SP: "Paixão e Acaso" e "Primeiro Dia de um Ano Qualquer".
Para Domingos, um filme deveria interessar "apenas por seu conteúdo, essência, mensagem, e pelo bem que pode fazer para quem o assiste". Para os distribuidores, a equação é outra: se não lotar as salas no primeiro sábado e domingo, não emplaca a segunda semana, e o artista que vá lamber sabão.
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