CORREIO BRAZILIENSE - 30/11
Amigos e inimigos de José Dirceu têm uma certeza: o homem é capaz de exercer qualquer atividade. De líder estudantil a militante deportado, passando por comerciante de calças Bang, deputado federal, presidente de partido e ministro, o petista já mudou de nome e rosto. Aos 66 anos e preso no Complexo Penitenciário da Papuda, ele agora quer ser gerente de hotel. Para quem um dia pensou em ser presidente do Brasil e tentou se cacifar a todo custo, o cargo no Saint Peter poderia até parecer modesto. Mas não nas atuais circunstâncias, não com o salário oferecido. Ele poderia ter criado outro papel.
E aqui amigos e inimigos de Dirceu também concordam: o acerto com o dono do estabelecimento foi um erro primário, algo constrangedor para os próprios petistas, impossível de não ter conotação negativa. Salvo uma estratégia às avessas da defesa em ter o pedido de trabalho negado e, assim, vitimizar o ex-chefe da Casa Civil, tudo pareceu primário demais para ser levado a sério. O episódio ganha proporções maiores quando se sabe, por exemplo, que a vaga para Dirceu não existia formalmente e que o salário ofertado é pelo menos duas vezes maior do que a média do mercado de hotelaria.
No serviço público, o salário de Dirceu como gerente de hotel se compararia ao de delegados federais, auditores, procuradores ou diplomatas e ultrapassaria de longe o de professores universitários, segundo mostra a mais recente pesquisa de emprego do IBGE nas seis maiores regiões metropolitanas do país. Tais números aqui servem apenas para ilustrar um valor e um cargo que, até que se prove em contrário, o próprio Dirceu escolheu da cadeia, condenado. Também mostram o quanto é difícil para alguém defender a futura ocupação do petista, caso ele consiga convencer a Justiça a aceitar o pedido.
Escândalo
Petistas mais graduados e o próprio Palácio do Planalto temem as marolas da prisão dos mensaleiros. Por mais que tentam se apoiar na tese que o escândalo — desde o início das denúncias, passando pelo julgamento, as prisões e as regalias dos condenados — deverá ter pouco efeito nas eleições do próximo ano. Eles se apoiam nos números das urnas em três campanhas: reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (2006) e as vitórias de Dilma Rousseff (2010) e Fernando Haddad (2012). Mas isso não quer dizer que o mensalão não impõe riscos para os petistas, principalmente quando o caso de corrupção está na pauta.
Poucos escândalos têm tantos elementos capazes de se manter acesos. Se não bastasse o próprio episódio envolvendo o partido governista, os desdobramentos são tão ou mais midiáticos. É o caso, por exemplo, da saúde do deputado federal José Genoino, capaz de mobilizar todos os tipos de torcidas partidárias para, no fim, restar um laudo dos médicos da Universidade de Brasília (UnB) apontando, na prática, que o petista pode voltar para a prisão. Antes disso, as redes sociais foram o palco da guerra entre petistas e antipetistas. A fúria no estado mais bruto, sem concessões.
O pedido de trabalho de Dirceu, por sua vez, revela os bastidores do lobby e das garantias aos poderosos. Se tivesse inventado um papel mais discreto, algo mais parecido com as atividades dos presidiários brasileiros, que trabalham a partir de convênios entre o governo e as empresas privadas, a atividade de Dirceu poderia passar despercebida. Um trabalho de conservação ou carpintaria, ou mesmo um curso em uma faculdade. O problema foi ter tentado ser gerente de hotel, com salário de R$ 20 mil. O homem que poderia fazer qualquer coisa da vida preferiu optar por constranger até os aliados.
Outra coisa
O fim do voto secreto no Congresso até poderia até ser uma bela vitória da transparência, da pressão popular sobre um parlamento pouco preocupado com o cidadão. Mas os senadores conseguiram aprovar um texto pela metade, que deverá sofrer questionamentos jurídicos. Ficamos sem a comemoração, à espera de que os políticos percebam o óbvio: só o eleitor tem direito ao sigilo do voto.
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