O Estado de S.Paulo - 15/11
Um dos ganhos mais expressivos da sociedade brasileira pós-real foi o aumento da classe média, cujo contingente já ultrapassa 50% da população. Nos últimos 20 anos, os brasileiros passaram de 150 milhões, em 1993, para 201 milhões, em 2013. Nesse período, as classes D e E, que representavam 62% em 1993, baixaram para 33,2% da população total. Assim, os pobres, que eram cerca de 93,150 milhões há 20 anos, hoje são 66,732 milhões. Feito extraordinário. Em termos líquidos, pode-se dizer que esses 26,418 milhões que deixaram a pobreza se somaram aos novos 51 milhões, perfazendo 77,418 milhões de pessoas integradas às classes consumidoras: à nova classe média (classe C) e à velha classe média ou os ricos (classes A e B). É como se a população da Turquia ou do Irã tivesse sido incorporada ao mercado de consumo do País. Considerando somente a nova classe média, o aumento foi comparável em tamanho ao da população da França.
Esse crescimento expressivo da classe média ocorreu graças ao desempenho da economia brasileira. As reformas econômicas acompanhadas da gestão da política macroeconômica, que teve como pilares o controle da inflação, o equilíbrio fiscal e a flutuação da taxa de câmbio, foram fundamentais para permitir a retomada dos investimentos privados e, em consequência, do crescimento do PIB e do emprego. No mercado de trabalho, as taxas de desemprego caíram para os níveis históricos mais baixos e o emprego formal cresceu. A continuidade na condução da política macroeconômica nos governos FHC e Lula garantiu a trajetória de estabilidade monetária e crescimento econômico dos últimos anos.
Segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, a classe média é constituída pelos indivíduos que vivem em famílias com renda per capita entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00, ou seja, com a capacidade de consumo diário entre R$ 10 e R$ 34 por pessoa. Essas famílias tiveram seu nível de consumo elevado graças, por um lado, à estabilidade dos preços e, por outro lado, à expansão do crédito. São famílias que passaram a frequentar os shopping centers e a consumir mais roupas e bens duráveis, como computadores, telefones celulares, eletrodomésticos, automóveis, etc. Na mesma linha, tiveram acesso ao financiamento para a casa própria.
Contudo, os bens públicos que poderiam ampliar o bem-estar dessas famílias não cresceram na mesma proporção. O sistema público de saúde continuou precário no atendimento à população. Hospitais lotados e filas intermináveis nos postos de saúde. Serviços de baixa qualidade e insuficientes para atender à demanda crescente. As escolas públicas não ampliaram sua rede na proporção necessária e mantiveram a má qualidade. No caso do ensino fundamental, com desempenho abaixo da média das escolas privadas. O transporte urbano também não acompanhou as mudanças ocorridas com a população. Manteve sua conhecida baixa qualidade, insuficiente para atender a população em padrões minimamente adequados. E a segurança pública parece ter se deteriorado nesses 20 anos.
Vê-se que os ganhos para a população decorrentes da política econômica, que estimulou o fortalecimento do mercado, não tiveram correspondência nas políticas responsáveis pela oferta de bens públicos. Preocupa muito a tendência atual de desmonte da política macroeconômica. Essa nova classe média é fruto do êxito da política econômica - não da política social - e será o primeiro segmento a sofrer com a desaceleração do crescimento e a volta da inflação. O subgrupo classificado pelo governo como baixa classe média tem uma renda individual per capita de R$ 10 a R$ 15 por dia. Essas famílias serão as primeiras a voltar para a pobreza, se o crescimento não for restabelecido e a inflação, contida.
Pode-se estar pondo muito a perder por falta de entendimento correto das razões da expansão da nova classe média. O desafio é combinar política econômica que estimule o crescimento e estabilidade monetária com adoção de gestão que garanta a qualidade na oferta dos serviços públicos.
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