GAZETA DO POVO - PR - 15/11
A perspectiva de que quatro mensaleiros condenados mantenham suas atividades parlamentares mesmo cumprindo pena coloca em risco, mais uma vez, a reputação do Congresso Nacional
Quando já voltava a prosperar um certo clima de descrédito quanto ao destino final dos mensaleiros condenados, eis que o Supremo Tribunal Federal (STF) reaviva a esperança dos brasileiros que clamam pelo fim da impunidade que costuma proteger os engravatados. Nesta semana, os magistrados decidiram executar imediatamente as penas de prisão de boa parte dos réus, a começar pelo mais notório deles, o ex-ministro José Dirceu, o chefe da quadrilha que usava dinheiro público para comprar a consciência e os votos de congressistas durante os primeiros anos do governo Lula.
Apesar de ainda não se saber a data exata em que serão expedidos os mandados de prisão, inicialmente devem ser encaminhados às penitenciárias os réus que já esgotaram todos os recursos cabíveis, incluindo os de natureza meramente protelatória. Nessa situação estão pelo menos 11 dos 25 acusados de participação no esquema de corrupção. O operador Marcos Valério e seus coadjuvantes José Genoino e Delúbio Soares, além do delator Roberto Jefferson e de figuras de menor expressão, deverão ser notificados no decorrer da próxima semana da obrigação de se apresentarem à Justiça para cumprir as respectivas penas.
Os casos pendentes envolvem réus cujos embargos ainda não foram julgados pelo STF, mas é possível que, seguido o mesmo rigoroso entendimento aplicado aos primeiros, tenham eles, em breve, o mesmo destino dos primeiros.
O Supremo sai engrandecido deste triste episódio da história nacional, o que não significa, necessariamente, que outra instituição, o Legislativo, não se apequene ainda mais diante dos olhos da sociedade e da opinião pública. De fato, o país corre sério risco de ter como representantes do povo na Câmara Federal parlamentares que, de dia, poderão frequentar o plenário, mas, à noite, dormirão na cadeia. Terão mais sorte que o precursor dessa anomalia, o deputado Natan Donadon, que, embora trancafiado na Penitenciária da Papuda, teve seu mandato preservado pelo vergonhoso voto secreto de seus pares.
Um dos deputados-mensaleiros, José Genoino, cumprirá pena em regime semiaberto, o que lhe dará o privilégio de debater projetos – incluindo os que porventura visem combater a corrupção – na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas tão logo o sol se ponha terá de voltar ao novo lar sob escolta policial. Não se acredita que em outro lugar do mundo se veja semelhante desfaçatez. Não está “livre” desse privilégio o companheiro João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, ainda pendurado em um embargo infringente não julgado pela corte.
É o que pode ocorrer também com outros dois deputados (Valdemar da Costa Neto e Pedro Henry) condenados ao regime semiaberto. Em tese, os quatro estão sob a proteção da Constituição e do regimento da Câmara, a quem cabe a prerrogativa exclusiva de cassar mandatos de parlamentares eventualmente condenados em última instância pela Justiça. Tese que, embora esdrúxula, poderá se confirmar definitivamente se tiverem êxito os esforços, principalmente da bancada do PT, para evitar a aprovação da PEC que declara automaticamente cassados os condenados em processos criminais.
Câmara e Senado já cumpriram em algumas ocasiões a obrigação de cassar alguns de seus membros que atentaram contra o decoro parlamentar. Casos individuais que obrigaram as Comissões de Ética a julgá-los e afastá-los do convívio parlamentar. Se, no entanto, a PEC for rejeitada de modo a subverter e agredir o senso comum, estaremos diante de uma situação de quebra coletiva do decoro. Uma vergonha pela qual não precisaríamos passar.
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