FOLHA DE SP - 01/11
SÃO PAULO - Não me parece que haja muita possibilidade de a PEC que estabelece cotas raciais no Legislativo ser aprovada, mas o tema rende uma discussão interessante.
De modo geral, não gosto da ideia de usar a cor da pele como critério para nada, mas admito que, no caso de vagas universitárias, é possível fazer uma defesa coerente desse tipo de ação afirmativa. O argumento é complexo, mas tento resumi-lo.
Tradicionalmente, o curso superior serve para formar os quadros que ficam à disposição da sociedade, de médicos e professores a ornitólogos. Se esse fosse o único objetivo, o ideal seria que a seleção fosse apenas meritocrática. Quanto melhor o aluno que entra, melhor o profissional que sai --o que beneficia a todos.
O problema é que a universidade se tornou também o principal fator de ascensão social. E, para quem toma a equidade como meta relevante, faz sentido (ou pelo menos não é absurdo) manipular um pouco as regras em favor de determinados grupos com o intuito de promovê-la.
Vale lembrar que, numa leitura mais rawlsiana, o próprio conceito de mérito precisa ser relativizado, já que ele é, em parte, resultado de uma loteria genética, equiparando-se a outras capacidades imerecidas, como beleza e direitos de nobreza.
Enquanto ações afirmativas estão restritas a universidades, é possível tentar conciliar os dois objetivos. Se a reserva de vagas não for obscena e a política tiver prazo definido, dá para preservar o principal do sistema de mérito ao mesmo tempo em que se promove a mobilidade social.
Expandir esse princípio para o Parlamento, porém, é complicado, para não dizer ridículo. O Legislativo, afinal, não desempenha nenhuma das funções da universidade. Ele só se justifica como uma assembleia de representantes da vontade dos cidadãos. A introdução de qualquer regra que limite essa vontade ou modifique seu resultado deve, portanto, ser vista com desconfiança.
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