sexta-feira, outubro 18, 2013

O desencontro entre voto e ideologia - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 18/10

Se houvesse correlação de fato entre tendência política autodeclarada e escolha nas eleições, não haveria espaço para a esquerda no Brasil



A classificação de ideologias pelos termos “direita” e “esquerda”, inspirados na localização física dos blocos conservador e revolucionário na Assembleia Nacional durante a Revolução Francesa, no final do século XVIII, nem sempre consegue ser fiel à realidade. E cada vez menos.

O fim do “socialismo real”, com a implosão da União Soviética, provocada por suas próprias contradições — como explicaria um marxista — embaralhou ainda mais as coisas. O populismo chavista é de direita ou de esquerda? Vargas, saudado pela esquerda, namorou o Terceiro Reich nazista e o fascismo de Mussolini. A lista de aparentes paradoxos é extensa. A situação fica também confusa quando se pergunta, hoje, ao eleitor brasileiro em que ponto cardial ele se situa no mapa da ideologia, e se cruza a informação com a intenção de voto de cada um. É o que o Datafolha fez na última pesquisa eleitoral, segundo a “Folha de S.Paulo”.

Há um enorme desencontro entre a autodeclarada posição ideológica e a opção de voto. Um exemplo é a presidente Dilma Rousseff, do PT, símbolo da esquerda, receber 39% dos votos dos que se dizem de direita, mais que o tucano Aécio Neves (24%), considerado candidato direitista pela militância do PT.

Se houvesse uma correlação lógica entre ideologia autodeclarada e eleição, os partidos e candidatos ditos de esquerda não teriam vez. Afinal, 49% do eleitorado brasileiro se consideram de “centro-direita” e “direita”, contra apenas 30% de “esquerda” e “centro-esquerda”.

Há várias possibilidades de análise, como a que questiona a capacidade de a grande massa da população se qualificar entre direita e esquerda. Mais ainda nestes tempos de geleia geral ideológica. Pode ser, ainda, que, dada a baixa qualidade da educação política em geral, o voto seja, na sua essência, destinado a quem, em troca, concede ao eleitorado melhorias de qualidade de vida — emprego, aumentos salariais, inflação baixa. Independentemente do posicionamento ideológico do governante.

Por trás de tudo, há, ainda, uma estrutura partidária distorcida, sem legitimidade e, portanto, de baixa qualidade de representação. Dos 32 partidos, dos quais 24 com bancadas no Congresso, poucos têm uma postura ideológica com alguma definição clara.

A grande maioria é de legendas nanicas, usadas no balcão de negociatas político-eleitorais. Como a legislação é leniente, há uma excessiva pulverização de partidos, especializados em negociar, literalmente, a cessão de tempo na propaganda gratuita em TV e rádio, a moeda de troca do baixo clero.

Os partidos políticos brasileiros não contribuem, então, para o aprimoramento político-ideológico do eleitorado, nem de espaço de formulação de efetivas propostas de governo e poder. São apenas meio de vida, às vezes escuso. Um dos reflexos deste quadro de mediocridade está nesta pesquisa da Datafolha.

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