O Estado de S.Paulo - 18/10
PARIS - Alguns dias atrás, uma jovem de 15 anos participava de uma excursão com sua classe. Todos estavam contentes, o campo era belo e o céu azul, mas surgiram policiais. Eles explicaram à professora que uma de suas alunas, Leonarda, era de Kosovo, pequeno país ao sul da Sérvia, e eles estavam encarregados de interpelá-la porque ela seria deportada da França com sua família.
Leonarda tornou-se, em alguns instantes, um novo pomo da discórdia entre os socialistas. Aliás, essa deportação foi realizada sob o comando do ministro do Interior de François Hollande, o socialista Manuel Valls, que se recusou a desautorizar a medida espetacular, dolorosa e humilhante.
Os socialistas mais radicais se inflamaram e atiraram à queima-roupa no ministro - de esquerda, mas que tanto se parece com a direita. Alguns comparam Valls com o ex-presidente de direita Nicolas Sarkozy, injúria suprema, porque Sarkozy tornou-se o campeão, entusiasta e tonitruante, das deportações.
Valls permanece calmo. Ele disse que a posição de ministro do Interior é perigosa para um socialista. Se você é de direita, espera-se de você resultados e, com isso, policiais, tropa de choque, o quepe, o cassetete, mas não reações emotivas. Se você é socialista, ao contrário, tem de se mostrar humano, dividido entre o dever e a consciência e mostrar seu coração sofredor.
A rigor, pode-se deportar imigrantes ilegais, mas é preciso manter uma cara compungida, consternada e demonstrar pena. Valls - catalão de origem - é um "duro". Maxilar eternamente cerrado, feições sérias, discurso seco, ele não choraminga sobre o destino dos delinquentes ou dos estrangeiros. Ele assume, manda prender.
Há dois meses, o ministro se indispôs com a Justiça que queria esvaziar as prisões superlotadas. Valls, ao contrário, desejava encher os centros de detenção e construir novos, se preciso. Um pouco depois, ele explicava que os ciganos devem ser deportados e seus acampamentos sórdidos, destruídos com tratores. É preciso reenviá-los à Bulgária ou à Romênia, apesar de esses dois Estados fazerem parte da União Europeia.
Cada vez que Valls abre a boca, o Partido Socialista parece atingido por uma crise aguda de epilepsia. Gritos e uivos. Alguns choram. Outros o amaldiçoam. Outros o aplaudem. O governo se questiona se deve rir ou chorar. Hollande se lembra de que é socialista e, por isso, deve ter coração, emoções, piedade. Mas, por outro lado, está consciente dos deveres de Estado e se regozija de ter um ministro de pulso.
Todos os poderes socialistas enfrentam essas contradições. Na opinião pública, os socialistas são infectados por uma ideologia de compaixão, tolerância, lágrimas e assistencialismo. Aos olhos da direita, eles são a insegurança, a "festa dos delinquentes", a multiplicação dos crimes.
Os dirigentes socialistas também estão bem contentes de ter um ministro do Interior implacável, impiedoso e, se possível, um pouco feroz, para desmentir a reputação de laxismo que cola como chiclete na esquerda não comunista.
No caso de Valls, Hollande poderia ainda menos enquadrá-lo porque ele é o único ministro socialista popular. Enquanto o pobre Hollande tem apenas 24% de opiniões favoráveis, Valls exibe insolentemente entre 50% e 60% de satisfeitos. Nisso ele chega a bater os homens de direita, porque Valls tem a vantagem de encantar a direita, enquanto agrada parte da esquerda.
É preciso se pôr no lugar de Hollande: agora que um ministro socialista é bem-sucedido e cai no gosto do público, apenas um louco para querer se livrar dele. Eis porque Hollande é tão paciente. Quando se encontra um diamante na bateia onde antes não havia senão pedaços de chumbo e zinco, não se joga a preciosidade no riacho.
No entanto, há um limite. Se Valls continuar a servir à linha dura, e com a mesma arrogância, isso poderá causar uma verdadeira insurreição contra ele. E essa rebelião, para Hollande, poderia se transformar num bumerangue, voltando contra o presidente com toda força./TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
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