O GLOBO - 19/09
Da noite para o dia percebemos que o Brasil se transforma num país política e economicamente inviável. Não obstante os benefícios conquistados com a recente redução da pobreza deu-se nó cego na economia brasileira, o que inviabiliza a continuidade do progresso social.
Acompanhei várias crises por que passamos, e delas quase sempre nos recuperamos rapidamente, exceto no período da hiperinflação com a qual nos acomodamos, perdendo dez anos de desenvolvimento econômico.
A saída da atual crise difere das anteriores pela abrangência e diversidade das condições negativas a serem combatidas. As dificuldades tornaram-se mais evidentes com as manifestações populares de inconformismo com a falta de ética na administração pública e as deficiências na qualidade de vida, com ênfase nas condições de mobilidade urbana, saúde e educação. Manifestações organizadas, subsequentes, algumas violentas, trouxeram inquietudes.
As mazelas expostas mostram que o Brasil, embora tenha alcançado posição de destaque no mundo, pela sua dimensão, não deixou de ser uma nação desatualizada incapaz de atender às solicitações elementares de seu povo. Nos recentes episódios tornaram-se mais nítidas contradições essenciais entre o desejado e o possível.
O processo de urbanização do país resultou em extensas metrópoles favelizadas sem que tal marcha fosse acompanhada por sistemas de transporte público de massa de extensão e qualidade aceitáveis.
O progresso da medicina com uso de sofisticada e cara instrumentação instiga a demanda por esses serviços, contrapondo-se ao fato que na maioria dos municípios e mesmo nas grandes capitais falta saneamento básico, e o SUS não tem condições de atender necessidades básicas.
Aumentou o número de crianças e adolescentes na escola, contudo o progresso na qualidade da educação foi pequeno e o setor profissionalizante não mereceu atenção suficiente. A recuperação do atraso depende, neste caso, do tempo exigido para o preparo prévio de educadores e será alcançada apenas mediante formidável cruzada pela qualidade, a ser empreendida com perseverança por governo, empresas e famílias.
Nenhuma dessas contradições é superável no prazo curto e sem novos gastos e investimentos públicos, mesmo que se reduza o seu mau uso. Nem será possível superá-las sem que se desate o nó cego da economia e se defina um projeto econômico para o país, como foi feito em outras oportunidades históricas.
Os principais obstáculos a superar se localizam:
1. Na obesa estrutura do Estado onde predomina insidiosa campanha contra a responsabilidade fiscal e no seu “aparelhamento” resultante do presidencialismo de coalizão que leva à frequente ocupação incompetente de cargos de comando, tanto na administração central como nas empresas estatais;
2. Na indisposição de investir, da maioria dos empreendedores, diante da insegurança institucional criada pelo governo central com a sua incessante atividade regulatória;
3. Na desestruturação, nos últimos anos, dos setores de energia elétrica e petróleo, bem como no descalabro a que foi levada a infraestrutura logística, sobre a qual ainda paira a ameaça de um trem-bala.
É evidente a necessidade de novo modelo de comportamento do governo central e de estratégia econômica de longo prazo, realista e objetiva. Em época pré-eleitoral os desafios se dirigem tanto às forças políticas do governo que pretende perpetuar-se no poder como às das oposições que desejam derrubá-lo. Eles se estendem aos empresários e profissionais que, com espírito público, se dispuserem a participar da busca por soluções.
Nenhum comentário:
Postar um comentário