O Estado de S.Paulo - 19/09
Um grupo de pesquisadores e de entidades que se opõem à construção de usinas hidrelétricas na Amazônia reuniu suas ideias numa publicação que pretende "contribuir para o debate entre governo e sociedade sobre oportunidades e desafios para o setor elétrico brasileiro" (O Setor Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade no Século XXI: Oportunidades e Desafios). É uma boa iniciativa, que incentiva o debate. Por exemplo, o último capítulo propõe "jogar todas as fichas" na energia eólica, na solar, na das marés e na repotenciação de hidrelétricas antigas. Nenhuma outra fonte deveria ser considerada. Lamentavelmente, não se trata de uma alternativa que possa ser acatada. A médio prazo, resultaria num novo racionamento ou na extraordinária elevação do custo de energia elétrica.
A ex-ministra Marina Silva sabe disso. Tanto assim que, no prefácio, ela afirma que "certamente será preciso aumentar a oferta de energia para que a grande parcela de nossa população, hoje excluída do acesso a serviços e confortos propiciados, possa fazer parte plena de nossa sociedade. Entretanto, não só é desejável, como necessário, que esse aumento de oferta se faça paralelamente à eliminação e redução de desperdícios e usos ineficientes de energia". Correto!
Desperdício é sair de casa e deixar o ar-condicionado ligado, como fazem muitos moradores de comunidades dominadas pelo tráfico de drogas, que não temem qualquer sanção da concessionária local. Em Dona Marta (Rio), por exemplo, observou-se a redução de 1/3 do consumo depois que o tráfico perdeu o controle territorial. Assim, faço uma primeira sugestão àqueles que, como Marina, se opõem aos usos ineficientes da energia: entrem no combate aos desperdícios decorrentes das fraudes e ligações clandestinas, tanto nas comunidades carentes quanto de grandes consumidores.
Essa causa é mais difícil de ser defendida do que se opor a dois supostos pecados do setor elétrico: a alegada perda de energia na rede básica e o suporte à indústria eletrointensiva. Sobre as linhas de alta-tensão, é injusto comparar o Brasil com outros países da América do Sul e da Europa, porque no Brasil é necessário transportar grandes blocos de energia por longas distâncias, por causa do predomínio da hidreletricidade. Sobre os eletrointensivos, os autores propõem a gradual diminuição da escala de produção e, em alguns casos, o encerramento das atividades. Talvez estejam certos, mas antes de adotar uma medida dessa magnitude seria necessário avaliar as consequências sobre a economia do País.
Os diversos capítulos da publicação apresentam as usuais objeções às hidrelétricas, por causa do impacto sobre o meio ambiente e do risco de extinção de civilizações indígenas. Esse último ponto é, talvez, o mais relevante. Seria correto isolar os indígenas dos malefícios e benefícios de nossa civilização pelos séculos vindouros, mantendo-os com expectativa de vida inferior à média da população brasileira? Respeito os que pensam que sim. Mas não concordo.
Penso que o Congresso deveria cumprir o que determina o art. 231, §3.º da Constituição federal. Ou seja, aprovar uma lei que discipline a construção de usinas hidrelétricas em áreas habitadas por comunidades indígenas. O fundamental seria assegurar consulta às comunidades indígenas efetivamente afetadas, não para facultar-lhes o poder de veto, e sim para garantir que participem dos resultados econômicos, com reais benefícios para a atual e as próximas gerações.
Como disse, há que se comemorar a disposição dos autores em contribuir para superar os desafios do setor elétrico. É possível começar com causas muito singelas. Por exemplo, convencer algumas autoridades estaduais, inclusive o Ministério Público, a dispensar a Avaliação Ambiental Integrada para o licenciamento de micro-usinas, que têm menos de 1 MW. Trata-se de uma boa causa. É como ensinar a um estudante de Medicina que não é necessário pedir a tomografia para tratar de uma gripe.
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