O GLOBO - 19/09
A política externa brasileira está de cabeça para baixo. Não apoia os EUA quando tem que apoiar, como agora no caso da Síria, e se omite quando os serviços secretos de Washington invadem a soberania nacional. Ou seja, é antiamericana quando não deve ser e, e “entreguista” quando poderia se fazer respeitar desde o início.
Nas duas situações a nossa diplomacia se apequena com valores trocados. Todos sabem que a ONU está dividida, numa quase guerra fria de vetos. China e Rússia fazem de tudo para sabotar a liderança ocidental, colocando-se contra todas as intervenções em países autoritários, mesmo quando se viola um tratado internacional tão importante quanto o das armas químicas.
A questão não dá margem à dúvida. Se houve quebra desse tratado pelo governo sírio em campanha para exterminar as oposições, espera-se uma reação internacional também condizente. A suposta tese humanista de que não se pode em hipótese alguma bombardear em nome da paz não tem qualquer noção da realidade. Esse tipo de visão romântica idealista irresponsável quase transformou o mundo todo no totalitarismo de Hitler nos anos 1930.
O líder americano Theodore Roosevelt disse certa vez no início do século XX que, entre a ilusão da paz e fazer o que é certo, os chefes de Estado em democracias devem sempre fazer o que é certo. Pode-se dizer que esse Roosevelt não fez na prática o que propôs como princípio moral, mas, seja como for, seu postulado faz todo sentido histórico.
A paz não cai do céu, feita apenas de homens de boa vontade. Com mais de 110 mil mortos, incluindo centenas de crianças, dezenas de milhares de mulheres estupradas, falta de água e alimentos, milhões de refugiados, a paz é uma circunstância que não existe na Síria já há muito tempo. Portanto, qualquer argumento que parta desse pressuposto é hipócrita e cínico, para dizer o mínimo. Assad só aceitou negociar após a ameaça de ataque americano.
Tudo bem que o Brasil não queira participar da intervenção internacional. Isso é perfeitamente justificável. Mas se juntar aos que impedem a comunidade das grandes potências democráticas de fazer alguma coisa beira a cumplicidade com o genocídio. Por essa e por outras é que o conceito que nossa diplomacia propôs à ONU recentemente de “responsabilidade ao proteger” se parece mais, na prática e no contexto, com omissão ou algo pior, um estranho alinhamento do Brasil ao grupo de regimes de força na Ásia.
Por outro lado, quando temos toda a razão em falar grosso com Washington, afinamos a voz. A espionagem que veio a público e que correu o mundo todo deveria ter feito Dilma expulsar no dia seguinte o embaixador americano Thomas A. Shannon, envolvido diretamente nesse crime em território nacional. A presidente deveria ainda ter chamado o embaixador brasileiro nos EUA de volta para consulta, demonstrado, assim, a gravidade do que aconteceu, e ter iniciado um processo diplomático já com a altivez do país restabelecida.
Mas, em vez disso, a chefe de Estado devassada resistiu até o último minuto a suspender sua viagem aos EUA, onde desfilaria em vestido de gala pela Casa Branca como se nada tivesse ocorrido. Cancelou a viagem tarde demais, quando a questão já havia esfriado. Até mesmo os americanos esperavam uma reação imediata, que não veio.
Dilma mostrou sangue nos olhos ao perseguir o jovem diplomata Eduardo Saboia, que, além de não violar qualquer lei internacional e fazer valer o maior dos princípios éticos da administração pública e da Constituição brasileira, foi um herói na violação dos direitos humanos da qual carceragem e tortura a presidente foi coautora na Bolívia.
De acordo como pensa Dilma, a embaixada brasileira em La Paz é tão confortável que alguém pode ficar preso nela durante 455 dias sem direito ao banho de sol. A presidente anti-heroína pode até mesmo demonstrar isso durante algumas horas na terra de Morales, que se especializou em exportar toneladas de cocaína e crack para o Brasil.
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