ZERO HORA - 19/09
O ministro Celso de Mello deu uma extraordinária aula de Direito, mas frustrou o país, ontem, ao acolher o recurso que garante novo julgamento a 12 réus do mensalão, possibilitando-lhes alteração de penas e até mesmo prescrição em alguns casos. Deu também uma aula de democracia, coerência e coragem pessoal ao defender firmemente o amplo direito de defesa dos acusados, mesmo consciente de estar contrariando a vontade de parcela expressiva da opinião pública nacional, que exigia a rejeição dos embargos infringentes e a punição imediata de políticos e personalidades condenados por corrupção. A dúvida que fica é se, no seu bem fundamentado voto, ele terá dado também uma aula de justiça.
Esse inédito caso judicial, resultante daquele que é considerado o maior escândalo de corrupção política da história do país, caracterizado pela compra de apoio parlamentar por autoridades e militantes do partido que ocupa o poder, pode ser considerado um exemplo prático da situação que motivou o conselho do célebre jurista uruguaio Eduardo Couture aos seus alunos: “Teu dever é lutar pelo Direito. Mas, no dia em que encontrares o Direito em conflito com a justiça, luta pela justiça”.
Este conflito se evidenciou no momento em que o Supremo Tribunal Federal, depois do extenuante julgamento da Ação Penal 470, dividiu-se em relação ao recurso interposto pelos réus condenados por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, com pelo menos quatro votos de absolvição. Cinco magistrados da Corte Suprema entenderam que o recurso era incabível, por não estar previsto na Lei 8.038, que regula o andamento dos processos no tribunal superior. Outros cinco entenderam que o regimento interno do STF assegura esta garantia, entendimento compartilhado pelo autor do voto de Minerva, em favor do acolhimento do agravo.
São meritórios os argumentos do ministro Celso de Mello, que, entre as dezenas de citações de autores mencionados durante sua exposição, utilizou uma referência do reconhecido mestre Pontes de Miranda para lembrar que o recurso dos embargos de uma decisão condenatória com votos vencidos “não protege o interesse individual, mas sim o interesse coletivo”, já que todos os cidadãos, independentemente do crime praticado, devem ter direito a rejulgamento quando a condenação não é unânime. Ainda assim, as consequências da decisão tomada pelo decano do STF podem ser desastrosas para a imagem do Judiciário e para a própria democracia, pois abala a confiança da sociedade nas suas instituições.
A frustração é justificada. As instituições não estão dando respostas satisfatórias para a nação. Basta observar a embromação do Congresso para votar as demandas exigidas pela população nas recentes manifestações de rua. Tão logo passou o clamor popular, deputados e senadores voltaram à rotina e à burocracia dispendiosa, que pouco produz. Agora, depois de um sopro de esperança no sentido da moralização, a Corte Suprema do país dá um passo atrás, apegada ao tecnicismo de regras confusas e contraditórias.
Certamente é respeitável a afirmativa veemente do ministro Celso de Mello, de que nada se perde quando se respeita e se cumpre a Constituição da República. Mas o país perde, sim, quando os cidadãos se decepcionam com suas instituições. Perde a confiança, perde a esperança, perde a certeza de estar construindo um futuro digno para todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário