O Estado de S.Paulo - 19/09
Ontem soube que a noite anterior trouxera mais um motivo de indignação pelo que faz o governo federal, em particular na área econômica. Com sua tradicional sabujice diante do Executivo, naquela noite o Congresso Nacional manteve o veto da presidente Dilma Rousseff a projeto de lei que extinguia a multa adicional de 10% sobre o valor do FGTS nas dispensas injustificadas.
Meu mestre de FGTS, como de outros temas e muitas aulas no passado, tem sido o professor José Pastore, conhecido especialista em relações do trabalho e também articulista deste jornal. No último dia 10 publicou texto em que, com muita razão, defendia a rejeição do veto. Perdemos mais uma, Zé.
Muito do que se segue reitera argumentos do mesmo artigo, conforme trechos abaixo apresentados entre aspas, pois a eles não há o que acrescentar. Só há muito a lamentar porque o Congresso os desprezou.
Primeiro, a história. "A aprovação do (...) adicional decorreu de uma longa negociação entre governo, empresários e trabalhadores no ano de 2001. Na época, o governo anunciou que o Brasil havia realizado 'o maior acordo do mundo'. De fato, o valor envolvido para cobrir o déficit era de R$ 42 bilhões! Para dar vida ao acordo, a Lei Complementar n.º 110/2001 (...)" fez a multa saltar de 40% para 50%. E o governo ficou legalmente com esses 10% adicionais para cobrir o déficit.
Com isso ele foi coberto em fevereiro de 2012, ou seja, em aproximadamente dez anos. Mas a cobrança do adicional continuou. O Executivo, vendo o dinheiro entrar no caixa, fingiu-se de morto. Todavia o Congresso foi acordado para cumprir o trato e revogar o adicional.
Assim, completando processo legislativo iniciado no Senado, por "(...) 315 votos a favor, 95 contrários e 1 abstenção, a Câmara dos Deputados aprovou em 3 de julho de 2013 o Projeto de Lei Complementar (PLP) n.º 200", para extinguir o adicional de 10% da indenização de dispensa do FGTS.
Nota-se nessa votação, há pouco mais de dois meses, a esmagadora maioria que aprovou o projeto. O que teria levado à mudança de opinião em tão curto espaço de tempo? Certamente não foram argumentos de ordem lógica ou de natureza legal. Vale lembrar que o projeto "(...) foi vetado pela presidente Dilma sob a alegação de que os cerca de R$ 3 bilhões anuais decorrentes do referido adicional fariam falta ao Programa Minha Casa, Minha Vida. Não há dúvida de que a presidente Dilma se equivocou na sua justificativa. Aqueles recursos nunca fizeram parte do Orçamento da União. Por mais nobres que sejam os seus propósitos do programa habitacional, os 10% do FGTS não foram criados para aquele fim".
Nem foram parar nele. Antes de ontem a Folha de S.Paulo publicou matéria registrando que "o dinheiro arrecadado com a multa (...) tem ajudado o Tesouro Nacional a cobrir perdas de arrecadação (...). Ao contrário do que argumenta o governo para convencer o Congresso a não extinguir a multa, os recursos não estão no bolo que financia o (...) Minha Casa Minha Vida. (...) Amparado numa brecha legal, o Tesouro passou a reter os recursos em abril de 2012, comprometendo-se a devolvê-los ao FGTS em prazo indefinido". Ou seja, o FGTS também foi enganado e integrado à chamada "contabilidade criativa" a que o governo recorre para exibir "melhores" resultados fiscais.
Mas nada disso explica por que os parlamentares mudaram de ideia. Ao contrário, esse mau uso do FGTS deveria até ter reforçado sua opinião anterior contrária à manutenção do adicional de 10%. Matéria publicada ontem no site www.folha.uol.com.br revela que o Poder Executivo foi ao mesmo tempo criativo, impositivo e operador de negócios políticos ao atuar pela manutenção do veto: Textualmente: "A ministra Ideli Salvatti chegou a despachar do Congresso e visitou aliados para ouvir as demandas e cobrar a manutenção do veto. (...) Principal aliado do Planalto, os líderes do PMDB trabalharam para manter o veto. No encontro da bancada que discutiu a votação, os 81 deputados chegaram a receber cédulas preenchidas distribuídas para evitar infidelidades".
Como se vê, o Poder Legislativo permanece indigno de confiança. Sua subserviência ao Executivo tem raízes históricas, que remontam ao período imperial. Conforme Roberto Romano bem resumiu neste espaço, em 23 de junho, "(...) a pessoa presidencial (...) domestica, pela propaganda e controle dos recursos públicos, a soberania popular, distorce a representação do Parlamento".
Quanto à confiança no Poder que vetou, volto a José Pastore: "O veto jogou por terra a palavra empenhada pelo Poder Executivo. Se tal desrespeito ocorre em relação ao maior acordo do mundo, o que dirá nos demais acordos? O veto não pode subsistir, sob pena de se desmoralizar o processo de negociação. Ademais, ele vai na contramão da própria política do governo, que vem patrocinando a desoneração da folha de salários. Os 10% adicionais do FGTS representam para as empresas uma pesadíssima sobrecarga nas despesas de contratação e descontratação, comprometendo ainda mais a baixa competitividade da economia brasileira". Vale lembrar que a confiança no governo é necessária para o sucesso de sua política econômica. Por exemplo, a desconfiança de empresários inibe seus investimentos.
O pagamento do enorme valor do déficit veio porque a rotatividade da mão de obra entre empregos é muito alta. Muitas empresas contratam por tentativa e erro, o que revela carências educacionais e de treinamento profissional. E os próprios trabalhadores costumam pedir a saída sem justa causa, de olho no FGTS mais os 40% da multa a quem têm direito.
Concluo voltando ao meu professor, com este apelo de quem passou pela geração 68, já antecipando que serei ouvido. Companheiro Zé, a luta continua.
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