segunda-feira, setembro 16, 2013

Os apelos de Francisco - GILLES LAPOUGE

O Estado de S.Paulo - 16/09

PARIS - O Vaticano se mexe. Ele parece estar redesenhando algumas diretrizes da Igreja, mas o faz à sua maneira, em aparência desenvolta, mas, sem dúvida, muito refletida. Um dia ele faz uma confidência leve. Noutro, dirige-se ao mundo inteiro com veemência a favor da paz na Síria. Ou ainda, um de seus ministros solta uma ideia e essa ideia é uma "bomba" (o questionamento do celibato dos padres). Em outras ocasiões, ele permanece em silêncio enquanto se aguarda a sua palavra. Em suma, o papa Francisco é um comunicador excepcional.

O celibato dos padres. Nada de novo. Fala-se disso há dois mil anos. É assunto requentado. Há muito que os teólogos nos informam de que essa regra não é um dogma, mas uma decisão tardia (século 11) tomada para evitar complicações sobre a herança dos filhos de padres. E, com certeza, um teólogo é muito inteligente, mas não é um homem de governo.

CELIBATO
Alguns dias atrás, porém, a hipótese do fim do celibato foi evocada não por um filósofo, mas por um homem do aparelho, o novo secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin. Em outros tempos, se um prelado se aventurasse a semelhante derrapada teria sido chamado às falas no mesmo dia, com uma advertência glacial. Nada disso, desta vez. Entretanto, como há alguns dias Francisco defendeu o celibato, as pessoas ficaram perplexas.

Outra surpresa: o encontro do papa com o peruano Gustavo Gutiérrez Merino, fundador da Teologia da Libertação em 1971, esta teologia com "cheiro de heresia" e odor de marxismo. É bem verdade que Gutiérrez não foi tão longe como outros padres, sobretudo brasileiros, e que foi até absolvido do pecado "marxificante" nos anos 80. Pouco importa: o papa parece disposto a abrir um capítulo doloroso, o da pobreza.

Em 4 de outubro, ele foi a Assis, a cidade do primeiro Francisco, na Idade Média, do qual se sabe a compaixão que sentia pelos despossuídos, os ofendidos e os abandonados. E o papa lançou, alguns dias atrás, um apelo estranho: gostaria que os conventos vazios fossem abertos aos "refugiados" em vez de serem convertidos em bens de hotelaria para ganhar dinheiro. O papa lembra um daqueles agitadores que, nas cidades grandes, pregam pelos sem-teto e contra as ricas residências vazias dos "grandes" deste mundo (uma ideia incendiária).

Francisco gritou, enfim, de sua sacada, seu horror à guerra, e rezou para que a Síria fosse poupada das bombas. Será o caso interpretar essa insistência à luz dos perigos que cercam os cristãos do Oriente? Seu calvário é conhecido: os cristãos assassinados no Iraque, os coptas do Egito que durante o reinado da Irmandade Muçulmana perderam tantas vidas.

É preciso acrescentar a essa terrível ladainha os cristãos sírios. Nos últimos tempos, circulam informações angustiantes. A cidade de Maalula, perto de Damasco, que possui sítios arqueológicos trogloditas que abrigaram cristãos nos primórdios do cristianismo e cujos habitantes ainda falam o aramaico, a língua de Jesus Cristo, teria sido atacada e seus habitantes massacrados por milicianos da Frente Al Nusra, a mais feroz das organizações radicais islamistas.

MASSACRES
Testemunhos estarrecedores nos chegam. Serão autênticos? O poder corrente de Bashar Assad confirmou os crimes, fez publicidade deles. Os insurgentes os contestam. Eles acusam Assad de ter inventado os horrores para intimidar os ocidentais e impedi-los de entregar armas a uma rebelião cada vez mais infiltrada pelos islamistas mais sanguinários.

Acaso será nomeada uma comissão da ONU para investigar esses crimes? E quando ela entregará suas conclusões? Em seis meses, um ano./TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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