segunda-feira, setembro 16, 2013

Julgamento sem pedagogia - RENATO JANINE RIBEIRO

VALOR ECONÔMICO - 16/09

Esta semana saberemos se terminou o processo do mensalão ou se ele comportará uma espécie de
instância recursal. Ao contrário do que quase todos sustentam, creio que o melhor cenário para, pelo
menos um dos acusados, é não ter apreciado seu recurso. Exporei por que e direi qual acusado.
O julgamento, embora longo, não mudou a opinião das pessoas. Teria sido um sucesso pedagógico se
os favoráveis aos acusados ou em dúvida sobre sua culpa ficassem convencidos de que eles mereciam
ser condenados. Alguém pode ser petista e continuar sendo, mas se persuadir, por provas e argumentos,
de que líderes de seu partido agiram mal.

Só que isso não sucedeu. Fui atrás. Conversei, usei o Facebook, indaguei. Você mudou de opinião em
função do julgamento? Entender a pergunta já era difícil. A maior parte reclamava dos crimes dos
corruptos petistas ou do caráter tendencioso do julgamento. Quando eu refazia a pergunta, descendo à
terra, à banal questão: mudou de ideia graças ao que ouviu?, verificava que não tinham mudado. Disso
fica a constatação de que o julgamento falhou numa função básica da Justiça, e sobretudo da TV
Justiça, que é convencer, especialmente os neutros ou os reticentes, de que justiça foi feita. Por quê?

Um intervalo sobre a divergência na democracia. Sabemos que na democracia deve prevalecer a
vontade do povo e que a melhor forma de apurá-la é identificá-la à voz da maioria. Mas um elemento
sutil da democracia, nem óbvio nem trivial, é: quem legitima a vitória do candidato vitorioso são os
partidários dos derrotados. Não basta ganhar com a maior parte dos sufrágios. É preciso que o eleitor
derrotado concorde, ainda que de má ou péssima vontade, que perdeu. Não há democracia que funcione
sem esse acordo, que no fundo significa: primeiro, as regras do jogo foram respeitadas; segundo, essas
regras são justas; terceiro, um dia eu posso ganhar.

Por isso o Brasil vai melhor que a Venezuela. Desde a vitória de Hugo Chávez em 1998, a cada pleito a
oposição venezuelana denuncia fraude e nega legitimidade ao vencedor. Isso é um desastre
institucional. Daí à desobediência civil, daí mesmo à rebelião, é um passo. Não importa quem tenha
razão ou não: com isso o governo precisa das baionetas, para se manter, mais do que o desejável. Um
apagão, em vez de falha técnica ou falta de investimento, vira crime, ato de traição - como estamos
vendo.

No Brasil, não temos isso. Lula aceitou duas vitórias tucanas, o PSDB reconheceu três petistas. E isso
depois de Collor se eleger, em 1989, deslegitimado pela oposição. O fato de recorrer a um golpe sujo
no final da campanha, acusando Lula de tentativa de aborto, deu-lhe a vitória, mas lhe custou a
reputação. Os escândalos que derrubaram Collor da Presidência, três anos depois, só completaram essa
falha de legitimidade inicial.

Volto ao julgamento do mensalão, e retomo o ponto: na hora em que um julgamento tem forte impacto
político - porque entre os réus estão o ex-primeiro-ministro (de fato) e o ex-presidente do partido do
governo - é fundamental se ter a sensação de que foi feita justiça. Vencer no voto não basta. É
necessário mostrar que o réu teve todas as oportunidades de se defender. Não se pode dizer que é do
réu o ônus da prova, como afirmou um dos juízes. Nem ofender quem vota diferentemente do relator.

Recomendo um episódio da série "Law and Order", de nome "Jihad americana", em que é julgado um
muçulmano fanático. Ele ofende a juíza e difama os judeus - mas a própria magistrada lhe garante o
direito de falar, afirmando que a defesa deve ter liberdade de expressão maior que a acusação. Isso fará
uma condenação final ser mais convincente, mais reconhecida. Ou, aqui, o julgamento dos Nardoni,
acusados de matar a filha do réu. Foi horrível a defesa pedir que a mãe da menina assassinada fosse
retirada do plenário e mantida incomunicável. Mas o juiz deferiu o pedido, para cortar pela raiz
qualquer ulterior alegação de cerceamento da defesa. É isso o que convence os não convencidos.

Como os próprios defensores da punição presta e severa dizem que o julgamento é político, eu afirmo:
político é dar a máxima chance de defesa aos réus, não só porque individualmente têm esse direito, mas
porque apenas assim a sociedade se convence de sua culpa. Não sendo assim, a sociedade sai do
julgamento como entrou: uns os acham inocentes vítimas, outros detestáveis culpados, e outros, ainda,
discordam do que acham ter sido um teatro. Não ganha a Justiça.

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