quarta-feira, setembro 18, 2013

Meta de inflação: miramos o que? - SOLANGE SROUR CHACHAMOVITZ

VALOR ECONÔMICO - 18/09

Por que o Brasil encontra-se na armadilha do baixo crescimento e alta inflação? Boa parte da resposta esteve na crença do governo de que estimulando a demanda iríamos gerar investimentos e crescimento. Um ponto pouco explorado e crucial é o fato do nosso regime de metas de inflação ser extremamente benevolente com o tratamento dos choques inflacionários, induzindo sua propagação e tornando a inflação resiliente. O regime foi instituído em junho de 1999 e estabelecia uma meta de 8% para aquele ano (com banda de 2%), reduzindo-a sistematicamente até o valor de 3,25% em 2003. Depois de 15 anos de regime, estamos com uma meta de 4,5% e com a mesma banda de 2% para os anos de 2013, 2014 e 2015, uma das mais altas do mundo.

O problema torna-se mais grave quando analisamos os últimos 6 anos, quase uma década depois da implementação do regime. Desde 2008 (com exceção de 2009, ano da crise), estamos com a inflação perto de 6% e as expectativas dos próximos 4 anos encontram-se próximas a 5,5%. Enquanto o resto do mundo esforça-se para tornar a política monetária mais transparente possível, por aqui não vemos referência à meta faz tempo. Nenhum documento oficial do Banco Central (BC) sinaliza quando e como pretendemos alcançá-la. Caminhamos então para uma meta informal, abaixo de 6,5% . Acima disso poucos se arriscam a projetar, dadas as constantes intervenções governamentais, com desonerações e gestão dos preços administrados, visando o não estouro do limite superior da banda.

Nosso regime é benevolente com o tratamento dos choques não só por conta de uma banda larga, mas porque não discrimina bem choques de oferta de choques de demanda, além de tratar de forma assimétrica choques de oferta positivos e negativos. A boa prática de política monetária recomenda que choques de demanda devem ensejar uma resposta imediata da política monetária e os de oferta devem ter somente seus efeitos secundários combatidos. Tivemos um choque de demanda expressivo em 2010-2011, que se propaga até os dias de hoje. Não é por acaso que a inflação de serviços está entre 8%-8,5% desde 2011. Não é por acaso que a inflação de preços livres tem rodado perto de 8% nos últimos 12 meses. Entre os choques de oferta, os positivos, como a queda dos preços da energia elétrica, são incorporados nos modelos do BC e nas suas projeções de inflação. Já os negativos, como o de alimentos, são tratados como choques de oferta temporários e lembrados como o motivo do uso da banda.

Esse equilíbrio de inflação em torno de 6% está ameaçado pela inversão da política monetária americana. Perto do topo da meta, estamos diante de um choque cambial de proporções incertas. Seus efeitos podem ser retardados pelo fraco crescimento, mas se este tem mais relação com o nosso baixo produto potencial, a inflação certamente aparecerá. O que o BC poderia fazer para amenizar tal impacto, ciente de que suas intervenções cambiais não mudam o rumo do câmbio? Mesmo perto do topo da meta, não nos resta outra saída a não ser tratar o choque cambial da forma tradicional, combatendo apenas os efeitos secundários. Para não colocar em risco uma desancoragem forte das expectativas e criar condições para a formação de um ciclo vicioso onde câmbio mais desvalorizado e inflação alta se retroalimentam, o BC deveria adotar uma meta ajustada para o ano de 2014 e 2015, como foi feito em 2003, pós-choque cambial de 2002. Tal estratégia teria boas chances de ser bem sucedida, pois saberíamos ao menos qual a meta perseguida. Porém, só seria realmente efetiva se viesse acompanhada de uma estratégia de comunicação crível que deixasse explícito como o BC iria ajustar sua política vis-à-vis a nova meta e qual o prazo de convergência esperado.

O êxito dessa estratégia depende crucialmente do posicionamento da política fiscal. Até a última ata do Copom, a autoridade monetária tratava a atual política fiscal como expansionista. Agora, já vê condições para que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade. Estamos entrando em um ano eleitoral e a experiência de vários países, inclusive a nossa, revela uma baixa probabilidade de o governo não afrouxar mais o fiscal nesses períodos. Talvez seja esse o motivo das taxas de juros de mercado incorporarem o chamado prêmio excessivo . Estaria esse prêmio relacionado também à falta de compromisso com o valor de 4,5% e com o prazo de convergência?

Em vários momentos do nosso regime de metas, as autoridades monetárias brasileiras conseguiram reconquistar sua credibilidade comunicando-se e agindo de forma consistente. Hoje o BC retém o poder de influenciar as expectativas, mas este deve ser reconquistado dia após dia. A ancoragem das expectativas depende não só da reafirmação da sua autonomia, mas de uma atuação visando o alcance de uma meta específica. Estamos diante de um problema clássico da teoria econômica: um maior grau de arbítrio na condução da política monetária pode representar um ganho adicional de produto e de emprego no curto prazo, mas não garante esse resultado no longo prazo, onde a única garantia é uma inflação mais elevada.

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