O Estado de S.Paulo - 18/09
Em 1957, os professores da Universidade Harvard John Davis e Ray Goldberg cunharam o termo agribusiness, traduzido em português como agronegócio. O objetivo deles era mostrar que o setor agropecuário não era mais um elo isolado e autônomo da economia, chamado de "setor primário". Nos Estados Unidos, naquele momento o setor agropecuário já se encontrava fortemente conectado a indústrias situadas a montante (máquinas, fertilizantes, agroquímicos, sementes, etc.) e a jusante (processamento e distribuição) dele.
Passados 55 anos desde a publicação desse trabalho seminal, aqui, no Brasil, ainda há muita gente que acredita que a agricultura seria um setor com baixos índices de produtividade, valor adicionado e inovação. Para essas pessoas, a presença dominante de commodities na nossa pauta exportadora seria um sinal de subdesenvolvimento a ser revertido pela política pública. Acontece que o agronegócio não é mais "primário". Ele começa nos insumos modernos, passa pela agropecuária e termina na forma de comida, bebida, roupas, energia, plásticos e uma infinidade de produtos acabados que desmontam por completo a ideia simplista da divisão da economia nos setores primário (agricultura), secundário (indústria) e terciário (serviços). Sistemas produtivos de base agrícola incluem todos esses segmentos.
Outra miopia frequente é a afirmação de que o agronegócio seria coisa de grandes produtores e agroindústrias - e o pequeno produtor familiar representaria um modelo mais sustentável, capaz de sobreviver sem ele. O fato, contudo, é que o termo agronegócio, desde a sua origem, em 1957, nada tinha que ver com a "grande produção", tal como afirmado no Brasil. Ao contrário, qualquer que seja o seu tamanho, para sobreviver o produtor fatalmente acaba tendo de se inserir em cadeias agroindustriais sofisticadas marcadas por contratos complexos, envolvendo escolha de pacotes tecnológicos, processamento, marketing, abastecimento, distribuição e financiamento. Basta dizer que hoje a política agrícola mais importante para o agronegócio se chama "logística". Costuma-se dizer que a cadeia é tão forte quanto o seu elo mais fraco. No agronegócio brasileiro a maior dificuldade atual não é produzir, mas sim transportar. Esse é o elo frágil, que impacta o agronegócio mais do que qualquer outro setor da economia.
Um dos aspectos mais importantes do agronegócio é o tema da coordenação das cadeias produtivas, que podem ser ou não ser marcadas por relações construtivas e ganhos sistêmicos de eficiência.
Em alguns setores, a coordenação entre os elos da cadeia resolve-se unicamente pelo sistema de preços. Exemplos são as commodities cujos preços são fixados de forma transparente e universal em bolsas de físicos e futuros, como a soja, o milho e o algodão.
Em outros, a especificidade dos ativos demanda dos agentes a montagem de uma cadeia de suprimentos mais sofisticada, com planejamento de oferta e cuidados extremos com questões de qualidade, sanidade e rastreabilidade de produtos. Um bom exemplo são as cadeias de suínos e aves, marcadas por sistemas contratuais estabelecidos entre produtores e indústrias que têm gerado impressionantes ganhos de produtividade, favorecendo inclusive a integração de milhares de pequenos produtores às agroindústrias e cooperativas, como observado nos Estados do sul do País.
Há ainda casos de cadeias produtivas marcadas pela integração vertical para trás, com a indústria adquirindo terras e ativos de produção agropecuária, como no exemplo da cana-de-açúcar, da laranja e do eucalipto. A integração completa justifica-se nos casos em que a eficiência depende do controle de áreas produtivas ao redor da indústria, em que a matéria-prima tem um ciclo de produção mais longo ou é altamente perecível. Nesses casos, as indústrias procuram produzir elas mesmas uma parte da matéria-prima de que necessitam, sem terem de depender unicamente do mercado spot para obtê-la.
Dois temas costumam provocar polêmica neste último caso: deve a agroindústria focar os seus recursos na aquisição de ativos agrícolas ou desenvolver contratos com produtores que lhe permitam concentrar-se no processamento e nos mercados finais? Neste último aspecto, faz sentido contar com preços de referência que gerem sinalização, transparência e menor volatilidade ao sistema? O centro da discussão são os limites da integração vertical e os parâmetros que poderiam ser usados para criar incentivos e melhorar o relacionamento e a livre negociação entre os agentes.
No caso da cana-de-açúcar, há 13 anos preços de referência são discutidos num conselho formado por um número equitativo de representantes de associações de produtores e agroindústrias. O mecanismo, conhecido como Consecana, baseia-se na construção de consensos entre as partes sobre as margens da atividade agrícola, a partir do levantamento de preços relevantes dos produtos finais e de índices técnicos que permitam calcular os custos de produção.
A cadeia citrícola brasileira padece do mesmo problema que a cana-de-açúcar e busca formas de tornar viável o seu conselho. O Consecitrus pretende construir preços de referência para a laranja na fazenda, além de avanços em temas sistêmicos como o combate às pragas e doenças que têm dizimado a citricultura e os esforços de comunicação para aumentar o consumo de suco.
O fato é que mecanismos puros de mercado aparentemente já não resolvem os desafios sistêmicos de competitividade e sustentabilidade de importantes cadeias produtivas. Sistemas contratuais mais complexos podem ser a solução para criar incentivos de longo prazo e lidar com as novas exigências dos consumidores em termos de certificação, rastreabilidade de produtos, respeito ao meio ambiente, qualidade e bem-estar.
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