O GLOBO - 18/09
A relação com os Estados Unidos é densa e sempre será, mas o governo brasileiro fez bem em suspender a viagem da presidente Dilma aos Estados Unidos. O que deve ser evitado é o antiamericanismo juvenil em que escorregam certos integrantes do governo. Os Estados Unidos são o maior investidor no Brasil, no chamado Investimento Estrangeiro Direto, representando 20% do total.
Da perspectiva americana, também somos relevantes. Naquele mar vermelho que é a balança comercial dos Estados Unidos, nós contribuímos com um pequeno azul. Eles tem déficit com o mundo inteiro mas têm superávit com o Brasil. Nos primeiros oito meses de 2013, foi de US$ 7,7 bilhões, mas desde 2009 o déficit acumulado com os americanos — ou, olhando pelo outro lado, o superávit deles conosco — foi de US$ 33,5 bilhões. No meio da disputa pelos caças, a Boeing se instalou no Brasil e, mesmo se o negócio não for fechado, é grande fornecedora do mercado brasileiro.
O Brasil também, por seu lado, mesmo tendo déficit na balança, tem um comércio diversificado com os Estados Unidos. Em certo aspecto, um comércio até mais saudável do que com a China, que é muito dependente de compra de matéria-prima pelos chineses, que nos vendem produtos manufaturados. Com os Estados Unidos, o comercio tem todo tipo de mercadoria, de lado a lado.
Nem tudo é economia, claro, mas comecei com os números para ilustrar a densidade de uma relação que tem raízes históricas. A reação do governo foi ditada por uma invasão de privacidade sem precedentes, com a interceptação das comunicações da própria presidente. Seguida depois de informações da maior empresa brasileira. Dados que eles compartilham com os países que são mais amigos que os outros.
Eles sempre espionaram o mundo inteiro, mas esse episódio mostrou como a lei de segurança nacional deles rompem todos os limites do razoável do que pode ocorrer nas relações entre os países. Quaisquer que tenham sido os argumentos defendidos pelo presidente Barack Obama, na longa conversa telefônica, é bom lembrar que, publicamente, até agora, os Estados Unidos deram respostas muito fracas.
O perigo desse momento é o levantado ontem pelo jornalista José Casado. É esfriar a relação com os Estados Unidos e ir à Bolívia pedir desculpas a Evo Morales pelo episódio do asilado trazido em surdina ao Brasil. Seria lamentável, até porque o governo boliviano não cumpriu a Convenção de Caracas e deixou uma pessoa, que recebeu asilo concedido pela própria Dilma, passar 15 meses praticamente numa prisão dentro da embaixada.
No governo Lula, sob influência do falecido presidente Hugo Chávez, a diplomacia brasileira adotou um tom antiamericano obsoleto e não se fez o esforço necessário para intensificar as relações comerciais. O resultado foi uma queda das exportações brasileiras para os Estados Unidos e uma transformação de superávit em déficit. Nosso saldo positivo chegou a US$ 9,8 bilhões em 2006. Segundo dados do Banco Central, eles continuam sendo os maiores investidores na economia brasileira. Nos últimos 12 meses investiram mais de US$ 12 bilhões.
Essa não é hora de se juntar no gueto regional, mas mostrar, com um forte discurso na ONU, quais valores o Brasil defende quando reage às invasões e interceptações americanas de comunicações de cidadãos e empresas brasileiras.
O Brasil defende o respeito entre as nações e uma internet em que haja segurança, mas, ao mesmo tempo, liberdade. Se o Brasil usar o episódio e quiser fechar o país — por qualquer mecanismo — correremos riscos. A democracia pressupõe que a proteção não vire uma forma de aprisionamento ou isolamento em plena era das comunicações globalizadas.
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