FOLHA DE SP - 18/08
A única eventual saída para a crise egípcia é aceitar a incorporação do Islã ao jogo político
A única eventual saída para o labirinto em que os militares enfiaram o Egito é os setores laicos e liberais que iniciaram a revolta que levou à queda da ditadura anterior (Hosni Mubarak, 1981/2011) aceitarem o fato de que ou se incorpora o islamismo à vida política ou não haverá democracia nem no Egito nem nos demais países de maioria muçulmana.
É a constatação, por exemplo, de Luz Gómez García, professora de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Autônoma de Madri, em artigo para "El País": "Acreditar que a democracia e a revolução são possíveis com a Irmandade Muçulmana silenciada é um absurdo exercício de possibilidades".
Reforça a revista "The Economist", cujas credenciais liberais a impedem de ter a mais leve simpatia por movimentos tipo a Irmandade Muçulmana:
"Os generais não podem suprimir os islamitas sem também privar milhões de outros egípcios das liberdades pelas quais ansiaram --e que experimentaram, ainda que brevemente, desde a queda de Mubarak".
A defecção do principal líder laico e liberal, Mohammed ElBaradei, após o massacre de quarta, mostra que os militares não conseguirão apoio dessas correntes para manter a carnificina indefinidamente.
O problema para a aceitação da Irmandade Muçulmana como parceiro eventualmente hegemônico no jogo político é a desconfiança que cerca o islamismo político. Sua magra experiência de um ano no poder foi permanentemente acompanhada de afirmações, pouco comprovadas, de que havia uma agenda de completa islamização do país.
Há razões para a desconfiança, mas há também razões para crer em um certo exagero no anti-islamismo.
Veja-se, por exemplo, a declaração da dona-de-casa Afaf Mahmoud para a "Economist": "Se ele [o presidente Mohammed Mursi] tivesse prendido todos aqueles que o criticaram, como Mubarak teria feito, talvez ainda estivesse no poder".
De fato, o teor de democracia no curto período Mursi ficou longe dos 100%, mas seria preconceituoso dizer que ele estava perto de implantar uma ditadura sob a égide da sharia, a lei islâmica.
Os dez anos de governo do islamita AKP (Partido Justiça e Desenvolvimento) na Turquia também testemunham que islamismo e democracia podem conviver --com percalços, é verdade, em geral não muito maiores do que os que ocorrem em alguns países vizinhos do Brasil.
Deixar os islamitas fora do jogo levaria a que perdessem a confiança no processo democrático, o que "seria uma má notícia para o Egito e um impulso para a Al Qaeda e outros jihadistas [adeptos da guerra santa contra o Ocidente] que creem que só se pode conseguir o poder com sangue e terror", escreve para "El País" o ex-chanceler de Israel Shlomo Ben Ami, hoje vice-presidente do Centro Internacional pela Paz de Toledo (Espanha).
Se os liberais resolverem disputar votos com os islamitas em vez de aceitar o sangue, talvez haja uma chance. Talvez.
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