Não é novidade a importância da China para a economia global e, em particular, para o Brasil. Mas vale a pena relembrar alguns números. Nas últimas três décadas, o PIB chinês cresceu em média à incrível taxa de 10% ao ano. Pelo critério de paridade do poder de compra, o PIB da China, em 2012, foi de aproximadamente US$ 12 trilhões, ou seja, 15% do PIB global e quase 80% do norte-americano. Desde a crise de 2008, o crescimento chinês tem respondido, em média, por quase metade da taxa de expansão do PIB mundial.
Na desagregação por país, sem considerar a União Europeia (por ser um bloco econômico hoje composto por 28 nações), a China é de longe o principal destino (em valor) das exportações brasileiras. Em 2012, nossas vendas para o gigante asiático foram de US$ 41,2 bilhões (17% do total), bem à frente dos US$ 26,8 bilhões exportados para o nosso segundo maior comprador, os EUA.
Talvez, mais importante do que tais números, é o fato de a China ser o maior formador dos preços internacionais das commodities produzidas pelo Brasil. Observe-se que nossas exportações para os chineses são extremamente concentradas. Em 2012, 85% do valor exportado para aquele país correspondeu a apenas seis itens, a saber: minério de ferro, soja (grão e óleo), papel e celulose (incluída pasta de madeira), produtos semimanufaturados de ferro e aço, petróleo e derivados e aeronaves. Ou seja, um eventual colapso do dragão asiático faria enorme estrago nas cotações internacionais da maior parte desses bens, provocaria deterioração adicional de nossos termos de troca e poderia dar início a um perigoso círculo vicioso para a economia brasileira, caracterizado por acentuada depreciação cambial, aumento do risco soberano e redução do nosso já frágil crescimento econômico.
Mas qual é o risco de a economia chinesa experimentar queda brusca no crescimento ou, pior ainda, entrar em um ciclo recessivo? Infelizmente, como tentarei mostrar a seguir, não é nada desprezível, e isso vem ficando cada vez mais claro desde o início de 2013.
A desaceleração recente da China é evidenciada não só por indicadores tradicionais como o PIB e a produção industrial, como também por outros considerados mais confiáveis e relevantes pelo atual primeiro-ministro, Li Keqiang, tais como consumo de energia elétrica e carga transportada nas ferrovias. Na comparação mês sobre igual mês do ano anterior, o primeiro desses indicadores, que em 2010 crescia entre 15% a 20%, vem apresentando trajetória bem menos brilhante, tendo se expandido pouco menos de 7% em maio último. Quanto ao transporte de carga nas ferrovias, os dados são ainda mais desalentadores: crescia, em média, entre 10% e 15%, até o ano passado, e registrou queda de 4%, também no mês de maio último. Na mesma direção, o volume de comércio, tanto exportação como importação, vem exibindo forte perda de vigor.
Paradoxalmente a essa desaceleração, o crédito cresce vigorosamente. O saldo do Financiamento Social Total (TSF, na sigla em inglês), que engloba todo o crédito bancário e não bancário do país, exceto a dívida mobiliária federal, passou de 120% do PIB, em 2005, para quase 200% do PIB, atualmente. Desde o início de 2012 até março de 2013, vinha crescendo 23% em bases anuais, tendo registrado certa moderação apenas nos últimos dois meses. A combinação de forte aumento do crédito com desaceleração do crescimento faz surgir preocupações quanto à sustentabilidade das dívidas e representa um dos maiores desafios para os responsáveis pela política econômica chinesa.
Esse aumento do crédito não é explicado por maiores financiamentos para a construção ou por mais recursos para as empresas privadas financiarem suas operações e investimentos. Decorre, em grande medida, de dívidas que se acumulam nos governos locais e nas empresas estatais, que frequentemente investem em projetos de baixo retorno.
O pior é que grande parte dessa expansão de crédito não ocorre por meio de empréstimos bancários convencionais, sujeitos a controle de alavancagem, depósitos compulsórios e regras prudenciais. Ela se dá por vários instrumentos, fora do balanço dos bancos, conhecidos no jargão econômico por "shadow banking system", que tantos estragos causou às economias ocidentais na grande crise de 2008. Estimativas confiáveis indicam que cerca de 40% do estoque de crédito na China está fora do balanço dos bancos e que nas novas concessões essa fatia já é de quase 60%.
O governo chinês terá de apertar firmemente a política de crédito, mais cedo ou mais tarde, para conter a proliferação de empréstimos via sistema financeiro informal e reduzir o risco de instabilidade financeira. Se fizer cedo, o crescimento econômico tende a se reduzir mais rapidamente do que espera o mercado, podendo ficar em torno de 6%, já no ano que vem. Se demorar a agir, exacerbará as atuais distorções macroeconômicas e poderá conduzir a China a um episódio recessivo severo.
Mas a China não preocupa somente pelos problemas no sistema financeiro. A baixa disposição das grandes empresas estatais para distribuir lucros, preferindo investi-los sem critério adequado de viabilidade econômica, bem como os generosos subsídios concedidos ao investimento privado, principalmente pelos governos locais, têm gerado elevadas taxas de ociosidade de capacidade instalada em muitos setores da economia. Recessões causadas por excesso de investimento (overinvestment, no jargão em inglês), embora não tenham ocorrido em períodos recentes, são comuns na história econômica chinesa.
Mudar o padrão de crescimento, hoje baseado em insustentável taxa de investimento de quase 50% do PIB, em favor de maior participação do consumo das famílias é imprescindível, mas está longe de ser tarefa trivial e isenta de riscos. O governo brasileiro não pode fazer nada para consertar a política econômica chinesa, mas pode e deve fortalecer nossos fundamentos domésticos para reduzir os danos ao País, caso a crise no dragão asiático realmente ocorra.
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