Razões para não se importar com o bebê real
O parto da duquesa de Cambridge estava previsto para sábado passado. Como muitas mães de primeira viagem, atrasou. Isso é inconveniente. Chato para ela, talvez, mas muito pior para o restante de nós - mesmo que o bebê tenha nascido a esta altura.
Há pouquíssimas ocasiões em que é permissível sentir piedade da imprensa. Mas pense um instante nos jornalistas acampados do lado de fora do St. Mary's Hospital, em Londres. Esses profissionais foram as pobres almas encarregadas de manter a vigília à espera do nascimento do novo bebê real.
Não um mero bebê real, mas o futuro herdeiro do trono da Grã-Bretanha. A mídia agachada ali fora, enquanto Kate Mountbatten-Windsor (de nome se solteira Middleton), consorte do futuro rei, esperava para dar à luz. Os nervos em "Camp Kate", como o lugar foi batizado, ficaram em frangalhos. O calor incomum de Londres só fez piorar as coisas.
Enquanto o tempo passava, os jornais ficavam sem material para encher sua cota de páginas sobre o bebê real. Florestas inteiras foram derrubadas para imprimir a cobertura até agora e há mais - muito mais - por vir quando a criança finalmente fizer a sua estreia - se é que já não fez.
Felizmente, a turma da imprensa está sendo paga para montar sua vigília; britânicos obcecados pela realeza montaram tendas fora do St. Mary's, desesperados para não perder a "ação". O Daily Telegraph ofereceu aos seus leitores o uso de uma webcam apontada para a entrada do St. Mary's.
Ao menos os britânicos têm a desculpa de que essa nova pessoa, algum dia, se a saúde permitir, se tornará monarca e chefe de Estado. A mídia internacional não tem essa desculpa e, como era de se esperar, os americanos estão entre os piores infratores. Revistas de fofocas como US Weekly ficaram apaixonadas por Kate e o bebê. "Tudo Sobre O BEBÊ REAL!", gritou a capa do número desta semana, prometendo matérias sobre "uma escolha de nome de último minuto", o suposto "nervosismo na sala de parto" de Kate e seu (improvável) "medo de ficar sozinha". Dentro há fotos, também, do "adorável quarto do bebê no palácio".
A realidade é mais dura para as redes de televisão americanas, testadas em sua lendária habilidade de encher horas de programação sem absolutamente nenhuma novidade. Sem nascimento, não havia notícia. Mas nada conseguiu parar os exageros incontroláveis. "O mundo inteiro está esperando o nascimento", derramou-se Christiane Amanpour da CNN, confirmando o declínio da rede de estação noticiosa séria a mais uma comerciante das besteiras de tabloide. Os cortiços de Manila e as favelas do Rio de Janeiro morrem de excitação, mal capazes de conter seu maravilhamento no momento em que a Casa de Windsor se preparava para se perpetuar mais uma vez.
Em meio a toda essa insanidade, as únicas pessoas que conservam algum senso de equilíbrio são os membros da família real. "Bem, você sabe, todos têm bebês. É adorável, mas não fico loucamente excitada com isso", disse Margaret Rhodes, a prima de 88 anos da rainha Elizabeth II, à CNN.
Há algo a ser dito em favor do sangue frio aristocrático. Sua majestade parece um pouco mais preocupada. Perguntada sobre a perspectiva de se tornar bisavó, a rainha respondeu: "Eu gostaria muito que ele chegasse porque vou entrar em férias em breve". Num tempo de mudança, é reconfortante ser lembrado de que a classe alta britânica ainda acredita que as emoções são desperdiçadas com crianças e deveriam ser confinadas a cães e outros animais.
Sucessão. Será menino? Será menina? Por razões que são em grande parte místicas, a presunção - respaldada pelos agentes de apostas - era a de que Kate daria à luz uma menina, embora dada a história da Casa de Windsor, animal, vegetal ou mineral parece quase tão provável quanto um homo sapiens macho ou fêmea. Para os interessados nesses assuntos, Alexandra e Charlotte eram os nomes favoritos se a criança se revelar uma fêmea (para os apostadores, Psy está pagando 5000 por 1).
No entanto, uma menina seria politicamente mais significativa que um menino. Num lembrete de que mesmo as instituições mais antigas precisam se curvar às modas dominantes, as leis de sucessão da Grã-Bretanha foram recentemente alteradas para permitir que uma princesa primogênita herde o trono. Até recentemente, qualquer princesa nessa posição corria o risco de ser suplantada pela chegada - indesejada, sem dúvida - de algum irmão mais novo. O direito de primogenitura foi estendido agora às meninas. Isso é considerado radical. Se continuar assim, em breve monarcas britânicos poderão se casar com católicos.
Mas, é claro, de certa maneira é modestamente radical, não menos porque mudar as leis de sucessão na Grã-Bretanha significa também mudá-las nos 14 outros países - entre eles, Canadá e Austrália - nos quais a rainha Elizabeth continua sendo chefe de Estado. Quando se lida com uma instituição tão antiga como a monarquia britânica, toda mudança é complicada.
Pelo menos o príncipe William e a duquesa de Cambridge parecem um casal feliz e satisfeito. Até onde essa normalidade é possível em vidas tão impossíveis, eles parecem ser quase tão "normais" quanto se poderia esperar. Seu casamento parece construído sobre alicerces mais sólidos do que os dos pais do príncipe William.
Embora, constitucionalmente falando, as responsabilidades da duquesa se resumam a produzir "um herdeiro e um substituto", é preciso lembrar que fazer isso não é pouca coisa pela excelente razão de que tornaria a perspectiva - não obstante longínqua - de o príncipe Harry um dia assumir o trono ainda mais improvável. Pôr mais corpos entre Harry e a coroa não é uma má ideia, por mais divertido que o pensamento sobre um príncipe playboy que um dia venha a se tornar monarca possa ser.
A popularidade de William e Kate provavelmente sustentará a Casa de Windsor por outro meio século, no mínimo.
O segredo. A legitimidade da monarquia moderna repousa menos nos direitos divinos dos reis do que na disposição do público de tolerá-la. A rainha Elizabeth tem sido uma monarca modelo não menos porque, com a possível exceção de seus interesses em corridas de cavalo, ninguém poderia dizer com plena segurança quais são seus pontos de vista sobre qualquer assunto. Ao não expressar opiniões, ela evita controvérsias. Ao suprimir o ego, ela oferece a impressão de um serviço altruísta. Seu filho, o atual príncipe de Gales, poderia aprender e lucrar com seu exemplo. A suspeita de que ele não o fará justifica a sugestão ocasional - fantasiosa ao extremo - de que a coroa deva passar da rainha Elizabeth ao príncipe William, pulando o príncipe Charles.
O príncipe William pode não herdar o trono por outros 40 anos, mas parece ter absorvido as lições transmitidas por sua avó enquanto desfruta, assim parece, de um traço da chamada qualidade de estrela que sua mãe possuía. Nesse aspecto, ele pode ser pensado como um príncipe surpreendentemente moderno.
Mas enquanto isso, como extras numa performance interminável de Esperando Godot, nós nos sentamos, esperamos - e esperamos - e tentamos imaginar quando a notícia virá - se é que não veio neste minuto. A alegria que alguns sentirão com a chegada do recém-nascido príncipe ou princesa não será nada em comparação com o alívio sentido pela maioria de que, enfim, esse longo pesadelo internacional terminou. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
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