segunda-feira, julho 01, 2013

Muita tributação e muito gasto - GUSTAVO LOYOLA

VALOR ECONÔMICO - 01/07

As manifestações que tomam conta de diversas cidades do país nas últimas semanas comportam várias leituras. Manda a prudência que não tiremos delas conclusões apressadas, nem que encontremos soluções simples para problemas que são complexos e multifacetados. Contudo, não há como deixar de registrar o contraste abismal entre os anseios e as expectativas da cidadania, explicitados nessas manifestações, e a atuação do Estado brasileiro, que arrecada praticamente 40% do PIB nacional e oferta serviços públicos de baixa qualidade em áreas críticas como saúde e educação.

Nos últimos meses, ao lado de muitos outros economistas, tenho manifestado nesta coluna minha preocupação com a deterioração da gestão da política fiscal, cuja execução se tornou menos transparente e mais relaxada no que tange ao controle dos gastos públicos. Isso porque, caso seja mantida essa trajetória, há grande risco de o país ingressar num quadro de instabilidade macroeconômica, voltando a um passado que julgávamos superado pelas conquistas das últimas décadas.

Muito embora a gestão prudente das contas públicas seja condição necessária ao crescimento econômico, não se deve jamais esquecer que os aspectos qualitativos do sistema tributário e da estrutura de gastos públicos são fundamentais para o progresso econômico e social da nação, como nos lembram os milhões de brasileiros que se manifestam nas ruas. Na pauta diversificada e ampla dos manifestantes sobressaem-se temas como o da insatisfatória qualidade da educação, da saúde e dos transportes públicos urbanos, assim como o da ausência de priorização correta dos gastos do governo para atividades essenciais.

A Constituição de 1988 consagrou a ideia de se implantar no Brasil um abrangente Estado de bem-estar social, com extensão universal de direitos à educação, saúde e aposentadoria, entre outros. Por óbvio, a contrapartida a esses direitos é a necessidade de o Estado se financiar junto à própria sociedade, por meio de taxação. Foi o que de fato ocorreu, já que a carga tributária cresceu cerca de 50% no último quarto de século, igualando-se à praticada em muitos países europeus. Contudo, a "europeização" da carga tributária não impediu a "africanização" dos serviços públicos essenciais. Ademais, para piorar a situação, e ao contrário do que se observa nos países desenvolvidos, a carga tributária aqui cresceu com base na expansão da taxação indireta, do que resulta um sistema tributário com características marcadamente regressivas.

Certamente não há uma "bala de prata" que solucione as mazelas das políticas públicas no Brasil, construídas historicamente desde o período colonial. Porém, é necessário navegar na direção correta, levando em consideração que os anseios e as expectativas da sociedade brasileira estão se alterando nos últimos anos, mudanças que são fruto dos próprios avanços obtidos nos campos político, social e econômico a partir da redemocratização do país.

Lastimavelmente, as prioridades das políticas públicas no período recente pareceram se encaminhar na direção errada, ao reforçar a intervenção do Estado em áreas em que sua participação é dispensável e ao distribuir subsídios generosos que agravam o caráter regressivo da política fiscal no Brasil. Poderíamos mencionar vários exemplos dessas políticas equivocadas, mas, por razão de espaço, ficamos aqui apenas com o tema que funcionou como estopim para as manifestações: o transporte público.

Nesse sentido, basta recapitular, brevemente, alguns aspectos da política do governo federal nos últimos três anos: (a) redução do IPI para aquisição de automóveis; (b) redução da Cide, inclusive sobre a gasolina; (c) manutenção do preço doméstico da gasolina abaixo de seu preço internacional, trazendo prejuízos crescentes para a Petrobras; (d) estímulo, inclusive com recursos dos recolhimentos compulsórios, ao financiamento para aquisição de veículos. Nessas quatro medidas, há clara manifestação da preferência revelada do governo pela disseminação do transporte individual, em detrimento da ampliação e melhoria da qualidade do transporte público coletivo.

O atendimento às reinvindicações da população passa necessariamente pela mudança de eixo da política de alocação dos gastos públicos, nas três esferas de governo. Sabemos que isso não depende exclusivamente da vontade do Executivo, pois o Legislativo tem sido cúmplice recorrente da deterioração da qualidade da despesa. Da mesma forma, não subestimamos a importância do combate à corrupção e ao desperdício. Porém, a visível insatisfação com a baixa qualidade dos serviços prestados pelo Estado à população indica que o modelo brasileiro de muita tributação e muito gasto público para pouco resultado está esgotado. Assim como a paciência dos brasileiros.


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