segunda-feira, julho 01, 2013

Marina Silva e as chances perdidas - RENATO JANINE RIBEIRO

VALOR ECONÔMICO - 01/07

Quem, melhor que Marina e a Rede, poderia dialogar com a moçada nas ruas, propondo-lhe um o caminho adequado a seu mal-estar, a seus desejos? O PSDB pouco tem a dizer e só com muita dialética tenta aproveitar a herança do movimento - mas, para disputar isso, precisa enterrá-lo; não o conseguirá enquanto estiver viva a agitação, enquanto estiver viva a vida que apareceu no País e faz que os logradouros públicos sejam o que deveriam ser: lugares públicos. O PT está desacoroçoado, divide-se entre o sentimento de que o povo é injusto com ele e a nostalgia do tempo em que era dono da rua. Quem, melhor que Marina?

Quando terminei uma aula aberta sobre o que ora acontece nas ruas dizendo que os políticos deveriam, 1º, identificar o que sucede (sem o mutilar para caber em suas velhas concepções), 2º, entrar no registro do utópico, 3º, propor mudar a política, uma pessoa exclamou: "Mas isso é a Marina!" Assim deveria ser. O projeto dos ex-verdes, agora sustentáveis, é o mais próximo dos insatisfeitos que buscam coisa nova. Dos que tomam a estabilidade monetária, herdada dos governos Itamar e FHC, e a inclusão social, façanha dos presidentes Lula e Dilma, como algo adquirido - e querem ir além. E que poderiam ver, na Rede, um projeto de gente perplexa, como eles, insatisfeita como eles com a política da presidenta petista e dos governadores tucanos, à procura de rotas que já não passem pelo bipartidarismo atenuado, com rosto humano, que o Brasil viveu estas duas décadas.

Maio de 1968 teve um único partido já existente com o qual os jovens dialogaram, e cujo papel hoje poderia ser ocupado pela Rede. Era o Partido Socialista Unificado, PSU, respeitadíssimo por suas credenciais democráticas, radicais e honestas. Não tinha o cadáver de Stálin, do qual o PC francês sempre teve dificuldade em se livrar, nem o oportunismo de Mitterrand, o líder socialista, que colaborara com o governo de Vichy e apoiara a repressão aos argelinos. O grande nome do PSU, que elegia um ou dois deputados a cada pleito, era Pierre Mendès-France.

Mendès, só ele, podia disputar com o general de Gaulle o título de mais digno dentre os políticos franceses. Somente eles mereceram, em seu longo tempo, o elogio de "estadistas". Em 1954-55, Mendès foi primeiro-ministro por meros sete meses, mas isso bastou para firmar a paz na Indochina, pondo fim à guerra francesa do Vietnã, e preparar a independência da Tunísia e Marrocos. Continuasse no governo, a guerra da Argélia teria sido curta, poupando um milhão de vidas. Mas nunca mais voltou ao poder, tornando-se o grande ativo moral da política francesa. Os jovens o admiravam, em 1968; não exercia cargos havia doze anos, não era responsável pelo desastre na Argélia nem pelo regime gaullista que eles contestavam. Era digno na política e na ética.

Marina Silva não chegou a tanto; não chefiou o governo, não associou seu nome a nenhum grande feito como ministra. Mas está na primeira linha de nossos políticos que merecem respeito ético. Também é importante o modo como seu partido está sendo constituído, já porque não se chama "partido" (que evoca divisão - e vem da ideia de uma sociedade partida), mas "rede" - o que clama pela participação de muitas pessoas, sem hierarquia, reforçando os laços entre membros e simpatizantes. Então: por que, com tais trunfos, nem ela nem seu partido ocupam o lugar que tudo lhes oferece?

É a mesma questão que surgiu dois anos e meio atrás, quando Marina teve vinte milhões de votos nas eleições presidenciais para, um mês depois, seu nome sequer ser lembrado quando alguém falava em "oposição". No primeiro turno, um brasileiro em cada cinco votou nela; um em cada três, no candidato tucano. Mas os 20% dela sumiram, enquanto os 33% dados a José Serra bastaram para manter, no PSDB, o monopólio da oposição. Muitos esperavam, na época, que a causa verde ocupasse o lugar designado pelos eleitores. Muitos poderiam esperar, agora, que a proposta sustentável preencha o vazio que tantos sentem na política. Mas nada acontece.

Parece digno Marina dizer, à "Folha", que não quer se aproveitar dos movimentos nas ruas. Mas está errada. O papel do bom político é o de agarrar a oportunidade, o kairós dos gregos - para dar nome ao que está confuso, identidade ao vago, futuro ao novo. Por que ela não fez, não faz isso? Receio que não esteja à altura dos anseios que surgiram. Tem noção deles, mas não sabe o que fazer com eles. Lamento.

"A natureza tem horror ao vácuo", dizia Aristóteles, dois mil e trezentos anos atrás. A política, mais ainda. Um lugar que fica vazio é prontamente ocupado. O espaço que pareceria pronto para um político alternativo e respeitado caberá ao aventureiro, ou à velha política, que lançar mão dele. As instituições - partidos e mídia - correm para sepultar, o mais rápido possível, os movimentos. Querendo ou não, a presidenta Dilma Rousseff contribuiu para isso ao pôr na mesa a reforma política. Já nos vemos, de novo, a falar em partidos, em governabilidade, em voto distrital ou lista fechada. Tudo isso é importante, mas é o plano B da vida social. O Plano A deveria ser aprofundar as insatisfações. Pois há meio século, pelo menos, que as instituições políticas andam muito desgarradas do mundo da vida. Não têm sequer ideia do que a vida atual é. Valeria a pena, pelo menos, aproveitarmos mais algumas semanas este magnífico laboratório da vida ao vivo, antes de retornarmos ao "business as usual". Porque Planos A são como certas paixões fortes e fugazes: não duram muito mas, para darem sentido à vida, merecem ser vividos intensamente.

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