Valor Econômico - 20/06
A revolução do gás de xisto liderada pelos Estados Unidos remete à fábula do ganso dos ovos de ouro. Mas, diferentemente do que reza o conto dos irmãos Grimm - um velho camponês enriquece do dia para a noite com a ajuda de uma fada -, não foi num passe de mágica que os americanos recuperaram sua atividade econômica e sua indústria. Por trás da ampliação da produção de gás natural daquele país não está a descoberta de novas reservas, mas uma revolução proporcionada pela nova tecnologia da perfuração horizontal e do fraturamento hidráulico. Essa inovação permitiu a redução dos custos do insumo para a faixa de US$ 3 por milhão de BTU (unidade de medida de gás natural), abrindo espaço para a retomada econômica americana.
Estudos da empresa de consultoria americana IHS indicam que o gás barato deve acrescentar 2,9% ao ritmo de crescimento da produção fabril daquele país até 2017; por outro lado, a produção brasileira patina, tendo registrado queda de 3,3% em março em comparação com o mesmo mês do ano passado. O avanço americano vem acompanhado por empregos - já foram gerados mais de 600 mil novos postos de trabalho - e por uma mudança significativa na dinâmica global de investimentos.
Nosso desafio é compreender como esse novo paradigma pode ser adaptado para aumentar a competitividade nacional. Isso passa, em primeiro lugar, pelo questionamento sobre como os Estados Unidos criaram seu "ganso de ouro". Foi a partir de uma composição absolutamente favorável ao desenvolvimento do setor, incluindo o estímulo à pesquisa tecnológica e a desregulamentação total do mercado de combustíveis fósseis. A existência de um mercado competitivo, com infraestrutura disponível e estímulo à produção por pequenos e médios proprietários (particularmente porque o dono da terra é dono também dos direitos sobre o seu subsolo) complementam o cenário por trás da revolução do gás não convencional.
Certamente os Estados Unidos vão usar muito bem a sua realidade de gás barato para fortalecer ainda mais a nova configuração geopolítica que o xisto ajudou a construir. O pensamento dominante é aproveitar a nova oferta de energia para reposicionar o país
O segundo ponto é que temos que inverter a lógica míope com que a energia tem sido considerada no Brasil. Geralmente o planejamento do aproveitamento dos insumos energéticos disponíveis é pouco integrado à dinâmica da economia nacional e, principalmente, ao contexto internacional. Um exemplo disso foi a demora para o país se atentar para a "idade do ouro do gás natural", cunhada pela Agência Internacional de Energia há mais de dois anos e só agora na agenda governamental.
Não é possível que, diante da nova realidade, mantenha-se esse tipo de prática. É imperativo aprender com os americanos como desenvolver nossa própria indústria de gás natural de maneira consistente e competitiva, com visão de longo prazo e tanto no que se refere ao gás natural, que já é produzido hoje, como em relação ao futuro aproveitamento das potenciais reservas brasileiras de gás não convencional, o famoso gás de xisto. Para tanto, temos de ir além do que já existe, fazendo valer a Lei do Gás como um mecanismo regulatório que efetivamente abra o mercado, garanta a expansão da rede de dutos, a competição e a viabilidade econômica dos investimentos em transporte de gás.
Já a viabilidade comercial das nossas reservas de gás de xisto depende da organização, desde já, das regras do jogo que estimulem essa atividade, bem como de um perfeito entendimento, por parte da sociedade, dos impactos sócio-ambientais relacionados.
Importante frisar ainda que, como indicam as próprias previsões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), dificilmente a produção de gás dos novos blocos exploratórios, que serão ofertados ao mercado neste ano, chegará ao mercado brasileiro em curto prazo. Não há gasodutos que disponibilizem o insumo para a indústria, tampouco regras claras do ponto de vista ambiental e conhecimento suficiente da geologia das áreas ofertadas. É que, enquanto nossos concorrentes como Austrália, China e México trabalham para viabilizar o gás de xisto, apostamos majoritariamente nossos esforços num gás vindo do pré-sal, de custo de extração muito superior e com um enorme desafio logístico devido à distância dos campos de produção.
Como competiremos neste mundo globalizado? Não é possível à indústria brasileira esperar tanto tempo pelo gás competitivo. Precisamos antecipar o futuro que dá indícios de ser bastante promissor com relação à oferta do energético. Para isso, temos de identificar já neste momento oportunidades para reduzir os custos e garantir competitividade da nossa indústria enquanto o gás não convencional não vem.
Por fim, não podemos deixar de ter em mente o intenso debate, nos Estados Unidos, sobre a possibilidade de ampliação das exportações de gás natural a partir daquele país. Argumentos contrários à medida alegam que ela representaria a morte do ganso, seguindo a trajetória dramática do camponês da fábula que mata o animal para tentar recuperar, de uma só vez, todos os ovos dourados que estariam em seu interior e descobre que não há ovo algum. O acompanhamento desse debate indica que tal risco é muito baixo. Certamente aquele país vai usar muito bem a sua realidade de gás barato para fortalecer ainda mais a nova configuração geopolítica que o xisto ajudou a construir. Ou seja, enquanto o pensamento dominante nos Estados Unidos é aproveitar a nova oferta de energia para reposicionar o país, nós seguimos com muita energia - como por exemplo no potencial hidráulico não aproveitado - e não a usamos de forma a nos reposicionar no mundo econômico. Dificilmente criaremos gansos diferenciados dessa maneira.
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