O Estado de S.Paulo - 12/06
O governo decidiu agir para limpar sua imagem, manchada pela inflação, pela estagnação econômica, pela mal disfarçada irresponsabilidade fiscal e pela piora das contas externas. Dois eventos devem ter convencido as autoridades a ser um pouco menos arrogantes, pelo menos por alguns dias, e a cuidar um pouco mais de sua credibilidade. Um deles foi a piora da avaliação da presidente Dilma Rousseff e de seu governo, percebida em Brasília antes da publicação, no domingo, da nova pesquisa do instituto Datafolha. O outro foi a revisão da perspectiva do País, de estável para negativa, anunciada na sexta-feira pela agência de avaliação de riscos Standard & Poor's (S&P).
Embora com variação menor, a pesquisa de imagem da Confederação Nacional dos Transportes, divulgada na terça-feira, indicou também uma avaliação mais severa da presidente e da administração federal. Nesse levantamento, como no outro, as opiniões dos entrevistados foram influenciadas pela inflação e pela menor expectativa de aumento de renda.
O custo político da persistente alta de preços já havia levado o governo a aceitar um aperto da política de juros, intensificado na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) com uma elevação da taxa básica de 7,4% para 8% ao ano. Com alguma demora, a presidente e seus auxiliares parecem ter notado, alguns dias depois, a conveniência de cuidar mais seriamente das contas públicas. Sem isso, como já haviam advertido os membros do Copom, o combate à inflação será mais difícil. Mas a ameaça da S&P de rebaixar a nota do País parece ter sido decisiva, segundo informações colhidas em Brasília.
A revisão da perspectiva de estável para negativa é apenas um primeiro sinal, mas suficiente para afetar o mercado. Qualquer novo fator de perturbação pode ser altamente prejudicial, neste momento. As condições de financiamento externo já refletem a expectativa de uma política monetária menos expansionista nos Estados Unidos e, portanto, de um enxugamento do sistema financeiro. Em um mês, o prêmio de risco do Brasil aumentou 25%. O crédito para vários outros emergentes também ficou mais caro.
Uma das consequências dessa mudança no panorama internacional é a valorização do dólar, especialmente acentuada no mercado cambial brasileiro. Essa nova tendência foi uma das razões da redução de 6% para zero do IOF incidente nas aplicações estrangeiras em papéis nacionais de renda fixa. A expectativa de uma abertura maior para o movimento de capitais começou a formar-se a partir daquele corte do imposto. Diante da perspectiva de menor oferta de moeda estrangeira e de uma piora das contas externas, tornou-se urgente a mudança de estratégia.
O aperto dos juros e a mudança na área cambial contrariam a política seguida até há poucos dias, mas são realizáveis sem grandes complicações técnicas e políticas. O maior desafio está na gestão fiscal. Discutem-se no governo medidas para tornar as contas públicas mais transparentes e menos frágeis. Segundo algumas fontes, examina-se até a ideia de um programa de déficit zero. Um programa desse tipo, apresentado há alguns anos pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, foi rejeitado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por influência da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e do presidente do BNDES, Guido Mantega.
Enquanto se discute um retorno pelo menos parcial à boa gestão das finanças, a marcha da irresponsabilidade continua. As medidas anunciadas para a capitalização do BNDES e da Valec e para uso antecipado de créditos a receber da Itaipu Binacional devem acrescentar R$ 45 bilhões à dívida bruta da União. Em breve, segundo se estima no mercado, essa dívida ultrapassará 60% do Produto Interno Bruto (PIB). A retórica oficial continua salientando a dívida líquida, bem mais baixa, mas os financiadores, incomodamente realistas, tendem a dar mais atenção ao valor bruto.
O governo só enganará a si mesmo se insistir nessa conversa, tão pouco séria quanto os balanços do PAC (ver editorial O inchaço do PAC), inflados com os financiamentos imobiliários. Não se reconquista credibilidade, um dos ativos políticos mais preciosos, contando lorotas.
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