Valor Econômico - 12/06
O nervosismo do mercado nos últimos dias, com reflexos nos segmentos de juros, câmbio e ações, mostra que chegou ao fim, pelo menos para os países emergentes, a era de experimentalismos em matéria de política econômica. Começa a se fechar a janela de oportunidade, propiciada pelo excesso de liquidez no mundo, para realização de reformas estruturais. O Brasil está saindo do ciclo internacional de liquidez com inflação mais alta, crescimento menor, baixa taxa de investimento, déficit externo crescente, deterioração das contas públicas e credibilidade abalada.
Nos últimos dois anos, o governo Dilma Rousseff abandonou o tripé de política econômica que regia o país havia 12 anos, sob a justificativa de que a crise nas economias avançadas teria efeito desinflacionário no restante do planeta e abriria, assim, uma oportunidade para o Brasil mudar seu equilíbrio macroeconômico. O país substituiria o binômio juro alto-câmbio apreciado por um bem mais vantajoso: juro baixo-câmbio competitivo.
Numa apresentação feita em novembro de 2011 e intitulada "Além do Consenso de Washington", o então secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, deu a senha das mudanças. Segundo ele, "uma política pró-crescimento é consistente com a estabilidade macro, desde que se evitem escolhas extremas". Por escolhas extremas, ele denominava aquelas que prevaleceram durante a maior parte do governo Lula, a quem também serviu - em livro publicado pela Fundação Perseu Abramo em 2010, Barbosa tachara a gestão Antonio Palocci na Fazenda (2003-2006) de "neoliberal".
O fato é que o secretário, gozando então de grande prestígio junto à presidente Dilma, disse que, dali em diante, o tripé funcionaria da seguinte maneira: "Metas de inflação com redução na taxa real de juro e aceleração do crescimento; câmbio flutuante com acumulação de reservas internacionais e regulação dos fluxos de capital; metas fiscais com aumento nas transferências de renda e no investimento público".
A rigor, a taxa de câmbio passou a ser administrada, a conta de capitais foi parcialmente fechada, o superávit primário foi reduzido drasticamente e o Copom perdeu autonomia para fixar a taxa de juro, passando a viver sob forte cerco da Fazenda e do Palácio do Planalto. A primeira perna do tripé flexibilizado já mostrava que se tratava de um manifesto político, mais do que de uma decisão econômica, afinal, quem não quer reduzir juros e acelerar o PIB?
À medida que o "novo" equilíbrio macroeconômico foi resultando inútil do ponto de vista do crescimento econômico - o PIB médio anual do período Dilma é o menor desde a gestão Collor (1990-1992) -, o governo passou a adotar uma série de medidas pontuais para estimular o consumo. Mais uma vez, os estímulos não funcionaram. Diante da alta da inflação e da perda de credibilidade e previsibilidade da política, sem dúvida um desincentivo ao investimento privado, a Fazenda lançou mão de um sem-número de medidas fiscais para segurar os preços - o objetivo era impedir que o BC elevasse os juros.
Essa gestão macro contaminou o que o governo Dilma tem de melhor: uma agenda para estimular o setor privado a liderar os investimentos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Em que pese uma clara má vontade dos mercados em relação aos propósitos da presidente nessas áreas, além das idas e vindas do governo na definição das regras do jogo, trata-se de algo inédito - Dilma reconheceu, contra a vontade de seu partido, a incapacidade do Estado de tocar investimentos em infraestrutura e anunciou que o país não será socialmente justo se não tiver uma economia competitiva.
É impressionante como esse ímpeto liberalizante não combina com a gestão macroeconômica. Esta tem sido marcada por improvisos, pacotes a toda hora, malabarismos contábeis, desorganização do que estava organizado (o controle do endividamento dos entes federativos, por exemplo). Claramente, a presidente não teve sangue-frio para implantar sua agenda micro, cujos efeitos vão se dar no médio e longo prazo, enquanto assistia a um período, provavelmente temporário, de crescimento mais baixo da economia.
A conta chegou e veio puxada pela expectativa de investidores nacionais e estrangeiros de que o banco central americano acabará, antes do esperado, com a política de afrouxamento monetário iniciada em 2008. Ao respaldar o início de um novo ciclo de alta dos juros e a decisão do BC de deixar o câmbio flutuar, o governo Dilma reconheceu que o momento é difícil e que suas políticas precisavam de correção de rumo. É o que está ocorrendo.
Falta, agora, colocar de pé uma política fiscal que dê respaldo às políticas cambial e monetária. Não faz sentido o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentar a taxa básica de juros (Selic), enquanto o governo segue expandindo os gastos públicos. A dúvida está posta: o Comitê está subindo os juros para frear a demanda agregada ou apenas o consumo das famílias?
Em entrevista ao Valor, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo não aumentará os juros dos empréstimos com fundos públicos. Isto significa que o BC terá que aplicar uma dose mais forte de juros para conter o consumo das famílias e das pequenas e médias empresas, que têm acesso reduzido ao dinheiro subsidiado do BNDES. Para realizar a tarefa, portanto, o Copom terá que gerar mais desemprego para que as famílias consumam menos. É isso o que a presidente quer?
As últimas pesquisas de opinião mostram que Dilma já está começando a pagar, com perda de popularidade, a conta dos equívocos da política econômica. Com mais de 50% de aprovação, ela ainda é favorita à reeleição em 2014. Mas seu eleitorado está começando a encolher.
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