O Estado de S.Paulo - 10/05
Na economia, a galinha pousou e ainda cacareja com estridência, sob o impulso do contato com o solo. Na política, o edifício dominante começa a mostrar suas rachaduras. O PSB, por meio de Eduardo Campos, parte para a carreira solo; dentro do governo, tremem os alicerces da fraternidade.
Alguns petistas acham que Dilma Rousseff, com os olhos verdes desenhados para a nova temporada, protege Erenice Guerra, seu ex-braço direito, e o ministro Fernando Pimentel. Em contrapartida, Dilma, segundo eles, persegue Rosemary Noronha e mantém certa frieza ante os condenados pelo mensalão. É um delicado tipo de fissura. Os acusados amigos de Lula são tratados com rigor, os acusados amigos de Dilma seguem sua trajetória milionária. Erenice é um pouco, no governo Dilma, o que foi José Dirceu no governo Lula: ela articula inúmeros negócios na área de eletricidade, representa poderosos grupos estrangeiros.
A essência dessa intrincada luta interna não é estranha à História do Brasil: ou todos se locupletam ou restaure-se a moralidade. O ideal é de que todos se locupletem, não exista nenhuma distinção entre trambiqueiros da cota de Lula e da cota de Dilma. São todos irmãos, bro.
Como se não bastassem os ácidos humores internos, a aliança do governo embarcou numa aventura contraditória. O PT quer se vingar do Supremo Tribunal Federal (STF). O PMDB pede paz. Por que tanta briga, se podemos continuar comendo de mansinho?
O embate contra o STF era previsível. E não só pelas tintas bolivarianas que ainda colorem os sonhos da esquerda no poder. A tese de que o mensalão nunca existiu não deixa margem de manobra. É preciso desarticular o Poder que escreveu a narrativa do episódio. O edifício está condenado pela Defesa Civil. No entanto, a experiência das andanças pelas áreas de risco mostra que um edifício condenado nem sempre cai ou é abandonado pelos ocupantes.
Surge aí o papel da oposição. Será capaz de se unir, apresentar uma alternativa, enfrentar a dura luta cotidiana contra um esquema que estendeu seus braços como um polvo, abraçando tudo o que lhe oferece ainda alguma resistência?
Vamos tocar caxirola, irmão. Chegamos aos grandes eventos esportivos, uma aventura do novo Brasil mostrando ao mundo sua capacidade de organização, sua pujança. O edifício vizinho, o da cúpula esportiva, está literalmente ruindo. João Havelange deixou a presidência da honra da Fifa, em segredo. Ricardo Teixeira gasta seus dólares em Miami. Sobrou apenas José Maria Marin, enrolado com gravações em que estigmatiza Vladimir Herzog e prega em defesa da família brasileira.
Alguns patriotas que defendem a família costumam pintar os cabelos e beliscar a bunda das secretárias, em Brasília. Marin só pinta os cabelos e rouba medalhinhas em eventos esportivos. É inútil esperar que as tribos de cabelo acaju e negro como as asas da graúna entrem em conflito mortal, numa batalha que tinja a verde grama da Esplanada.
Vamos tocar caxirola! Soldados vestidos com capa de chuva protegerão nossa sinfonia na seca de Brasília, em estádio que nos custou os olhos da cara.
A aventura política parte do mito de que somos os melhores no futebol. Os alemães, entre outros, têm mostrado como o nosso esporte precisa de uma renovação de craques, técnicos e dirigentes. Quando o edifício da cúpula esportiva cair, e com ele o mito de que somos os maiorais, vamos jogar caxirola, irmão. O impacto se fará sentir no outro edifício condenado.
A caxirola é uma granada de plástico que explode no chão fazendo ploft. Toda uma tentativa de driblar a História, de transitar pelo atalho do consumo na economia, de trilhar os caminhos revoltantes do cinismo na política será reduzida à sua verdadeira dimensão.
O Rio de Janeiro tem três prédios conhecidos como "balança, mas não cai". Estão ali para lembrar que as previsões só se podem cumprir se houver uma vontade ampla de achar outros rumos para o País. O edifício pode não cair no próximo teste. Nosso único consolo será ver a presidenta do Brasil tocando de novo sua caxirola, símbolo de uma visão de mundo, de povo, de festa: caxirola, cartolas, a base do governo, tudo com mordomos a R$ 18 mil e garçons a R$ 15 mil por mês. E concluir, resignadamente: venceram, mas da próxima não escapam.
A caxirola passa, o Brasil segue em frente. No momento, a política aparece como uma espetáculo distante e ridículo. Não por caso os programas humorísticos montaram tenda no Congresso. Mas o ano eleitoral necessariamente trará um debate sobre os rumos do País. Já devia ter começado, no momento surgem apenas alguns slogans.
Eleições podem ser uma armadilha. Cortinas de fumaça costumam dar mais votos do que argumentos sérios. Quase ninguém lê programa. Debates na TV, entrevistas ajudam a conhecer as perspectivas dos candidatos, mas ensinam um pouco também sobre o que as pessoas estão pensando sobre o País. Mas as eleições serão uma excelente oportunidade para tomarmos o pulso do Brasil, esperando constatar, como na canção, que o pulso ainda pulsa.
Vivemos grandes alianças ao longo do processo de democratização: a luta pelas diretas, o impeachment de Collor. Depois foi a vez dos dois grandes partidos experimentarem o poder. O governo Fernando Henrique Cardoso construiu as bases para a estabilidade econômica e a bonança internacional inspirou o PT a dinamizar o consumo.
Em 2008 a crise internacional instalou-se para lembrar que as coisas não seriam mais como antes. E nos colheu ainda com uma educação medíocre, uma infraestrutura tosca e uma gigantesca e dispendiosa máquina administrativa. Para agravar nossos custos, a imensa corrupção, vendida como um mal necessário, uma pequena taxa no banquete do consumo.
Isso já era realidade em 2010. Dilma Rousseff pegou o bonde andando e manteve o rumo, indiferente ao fim da linha. Ela troca com regularidade a cor dos olhos. Mas não consegue ver outro caminho.
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