FOLHA DE SP - 10/05
Ascari, Fangio e Pininfarina já entraram para a história por terem o nome ligado a um veículo automotor
Foi no cruzamento das ruas Juan Manuel Fangio com John Surtees que eu consegui entender por que o saudosismo avacalha comigo de forma tão extraordinária. A epifania ocorreu na quarta-feira, em um canto da fábrica da Ferrari, em Maranello, na província de Modena, na Itália. O momento foi tão fugaz quanto revelador, uma sensação que só quem já comeu muito mingau conhece.
Você irá me entender se já achou que aventura era encher os pulmões com a fumaça de um Hollywood sem filtro ao som libertador de Jimmy Cliff. Ou se já saiu acelerando pela rua Augusta em direção ao Spazio Pirandello (segura firme aí, Massimo!) depois de dar umas talagadas de Lord Jim. Pois houve época em que ordenar o mundo pela expansão dos mercados e tratar valores como commodities seria considerado bem mais cafajeste do que fazer esse tipo de coisa.
E não venha tentando disfarçar. Domínio do mais forte só é lei inevitável da vida quando prevalece o cinismo. Ou quando surge uma tática de impostura tão eficiente quanto essa esculhambação conhecida como discurso da ética da "sustentabilidade", que todos deveríamos obrigatoriamente abraçar em nome da salvação das filhas das putas das baleias que estão por nascer, em detrimento das que já nasceram e estão por aqui dando sopa. Essas que se danem, né não?
Ninguém liga a mínima, que morram e virem ração para o meu totó ou cera para minha Louis Vuitton. Sim, porque eu desejo ardentemente que ela reluza mais do que a bolsa Hérmès da minha vizinha --por sinal, ela também uma baleia filha da puta.
Dizia, marque bem pois é de suma importância, que fui tomada por uma espécie de catarse durante minha visita à fábrica da Ferrari na semana (as fotos estão no Instagram @bgancia): Ascari, Nuvolari, Fangio, Dino, Enzo e Pininfarina são pilotos, designers, italianos ou não, que entraram para a história por terem o nome ligado a um veículo automotor. Que é bem mais do que isso, claro. Como nossa seleção é mais do que 22 pernas correndo atrás de uma gorducha. No caso, a Ferrari é a memória, inclusive afetiva, do italiano. São suas glórias, assim como estão depositadas, "faute de mieux", nossas provas de superioridade na seleção.
Entrei no avião do voo de conexão que nos levaria a Bolonha, onde está o aeroporto mais próximo à sede da Ferrari, peguei o jornal do dia e vi a notícia da morte de Giulio Andreotti, uma espécie de José Sarney italiano, homem que dominou a política de seu país por 40 anos e cedeu espaço a Berlusconi depois de ver seu nome ligado a escândalo que o envolveu com a máfia. Muitas suspeitas, poder em superabundância e alguns processos. Morreu aos 94 anos sem que nada fosse provado contra ele. Cheguei a pensar que nunca ganharia a Libertadores, digo, que jamais passaria desta para melhor.
Eram realmente tempos de sonho aqueles em que o nome Ferrari era o de um carro tão único e desejado quanto Sophia Loren. Nos dias de hoje seria impensável viabilizar esse delírio economicamente, é necessário o respaldo de chaveiros, casacos, videogames e canecas para dar sustentação à marca.
Por outro lado, a bisbilhotice que transformou o particular em público tornaria 40 anos de Giulio Andreotti no poder difíceis de reproduzir em tempos de internet e wikileaks. Para cada moeda seu revés, meno male!
Nenhum comentário:
Postar um comentário