FOLHA DE SP - 29/05
Qualquer que seja a decisão do Copom, dificilmente o BC fará o necessário para trazer a inflação à meta
Tenho evitado fazer previsões de taxas de juros nas minhas colunas, ao contrário do que ocorre em minha atividade como consultor, em que a maior parte do meu tempo é dedicada à tarefa de tentar adivinhar os resultados das reuniões do Copom, como a de hoje.
Em parte, essa postura reflete um anseio pessoal de sair um pouco dessa discussão para tratar de outros temas. Por outro lado, resulta também das dificuldades crescentes de entender o processo decisório do Banco Central.
Para ser sincero, isso nunca foi fácil. Durante muito tempo, porém, era ao menos possível acertar a direção do movimento, embora nem sempre a sua magnitude. Um tanto pela vivência, é claro, mas principalmente porque não era necessário nenhum grande salto de imaginação para entender o que o BC pretendia: manter a inflação flutuando ao redor da sua meta.
De dois anos para cá, porém, quem quer que tenha tentado usar essa informação deve ter ficado (como eu) particularmente frustrado.
Mesmo agora que o Copom embarcou num tardio e, aparentemente, modesto processo de aperto monetário, a dificuldade de entender o que pretende o BC (ou o governo que nele manda) tem obrigado a exercícios de adivinhação cada vez menos distantes do exame das entranhas dos animais sacrificados ou do voo dos pássaros.
No caso, minha particular interpretação das vísceras do cordeiro imolado anteontem sugere que o BC deverá acelerar o passo do aumento da Selic, do 0,25 ponto percentual adotados na última reunião para 0,5 ponto. Segundo as entranhas, o mercado tem mandado recados contundentes à autoridade monetária, a começar pelo comportamento das taxas de juros.
De fato, entre a véspera da reunião de abril (quando a aposta frustrada do mercado era de um aumento de 0,50 ponto) e a última sexta-feira, as taxas de juros para prazos mais curtos caíram levemente. Já as taxas para prazos mais longo (três ou quatro anos à frente) subiram de forma visível. Isso poderia parecer uma contradição, em vista da decisão do BC por um aperto mais moderado do que o antecipado, mas um olhar mais detalhado revela não ser o caso.
Esse comportamento --estabilidade das taxas curtas e aumento das taxas longas-- tipicamente reflete um aumento das preocupações com a trajetória da inflação.
Se formos considerar a previsão dos economistas, coletada pelo BC e divulgada semanalmente pelo relatório Focus, houve mesmo um aumento das expectativas de inflação, tanto para este ano, como para o próximo, mas não é a esse sinal que me refiro.
O sinal mais preocupante vem do próprio mercado de juros, em que as apostas acerca da evolução da inflação pioraram visivelmente no período acima referido, notando que, no caso, o custo da aposta errada não é o ego machucado (como no caso das projeções do Focus), mas perda financeira, o que gera um incentivo poderoso à melhor previsão possível.
Em particular, o aumento das taxas de juros mais longas desde então pode ser quase que integralmente atribuído à piora da inflação esperada anos à frente. Essa inflação, por sua vez, não pode resultar de qualquer choque de curto prazo, mas sim da percepção de um BC cada vez menos comprometido com a meta de inflação.
Mantendo a escrita, em sua última reunião o Copom não perdeu a oportunidade de perder uma excelente oportunidade para começar de forma mais decidida o processo de aperto monetário, ainda mais porque o mercado já incorporava à época um aumento de 0,50 ponto percentual --embora, diga-se, o voo dos pássaros, corretamente interpretado na ocasião, houvesse me sugerido 0,25 ponto percentual.
A aceleração agora ajudaria a corrigir o erro do mês passado, na prática a principal razão para minha aposta em 0,50 ponto.
Isso, porém, é café pequeno. Qualquer que seja a decisão, a mensagem mais importante é que dificilmente o BC tomará as medidas necessárias para trazer a inflação de volta à meta. As entranhas nesse caso apenas confirmam o que o Copom tem feito nos últimos anos.
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