ESTADÃO - 17/05
O Brasil ostenta um dos mais bem-sucedidos programas de desenvolvimento e utilização de biocombustíveis em automóveis do mundo. Atualmente, mais da metade da frota brasileira (de mais de 30 milhões de veículos leves) está equipada para usar etanol. Também são misturados biocombustíveis - etanol, no caso da gasolina, e biodiesel, no do óleo diesel - aos derivados de petróleo usados nos veículos automotores brasileiros.
Esse resultado não teria sido alcançado sem o papel ativo do Estado. Na verdade, trata-se de um caso clássico em que a intervenção do governo não só é justificada, mas recomendada. O consumo de combustíveis gera o que os economistas chamam de externalidades. Na hora da decisão de consumo, os proprietários de automóveis não levam em consideração, ao menos não completamente, os efeitos negativos da emissão de poluentes sobre o meio ambiente. O resultado é que, sem intervenção do governo, o consumo de combustíveis e o nível de poluição são superiores ao que seria desejável do ponto de vista da sociedade. Há, ainda, a questão da dependência dos combustíveis fósseis, não renováveis, que reforça a importância do papel do Estado.
Além disso, há economias de coordenação envolvendo a produção de biocombustíveis, de veículos que os utilizem e a instalação da rede de distribuição. Assim, durante anos se concederam pesados subsídios à produção e consumo de etanol (e de veículos movidos a etanol), além de apoio público à pesquisa e desenvolvimento (P&D) na área de bicombustíveis. Boa parte do esquema de subsídios foi gradualmente removida, pela incapacidade fiscal do setor público em mantê-los e por eles se tornarem menos necessários.
Mais recentemente, o uso de etanol foi potencializado pelo advento dos automóveis bicombustíveis. A possibilidade de utilizar indistintamente gasolina e etanol fez com que os mercados dos dois combustíveis ficassem ainda mais interligados pelo lado da demanda. Existem evidências sólidas de que o preço da gasolina influencia o consumo do etanol e de que a competição mais acirrada entre os dois reduziu significativamente o preço de ambos.
E hoje, há espaço para a atuação do Estado? Certamente sim. Primeiro, no fomento à atividade de P&D ligada ao etanol (como o etanol celulósico). Depois, é o governo que calibra a carga tributária dos dois combustíveis. Como o etanol é menos poluente que a gasolina, a boa teoria econômica recomenda que a carga tributária incidente sobre ele seja menor que a da gasolina. Por muito tempo foi exatamente o que ocorreu. Nos últimos anos, porém, e a despeito da recente desoneração do etanol, tem ocorrido justamente o contrário. Ou seja, faz sentido econômico que o governo distorça os preços relativos dos combustíveis, mas isso tem sido feito na direção errada.
Essa tendência é reforçada pela contenção dos aumentos nos preços da gasolina, o que tem outro efeito colateral. Como os dois combustíveis fazem parte do mesmo mercado pelo lado da demanda, a incerteza sobre a formação dos preços da gasolina no mercado doméstico se transmite para os preços do etanol. O aumento da incerteza acaba por inibir novos investimentos para a produção de etanol. Linhas subsidiadas de financiamento do BNDES amenizam esse problema, mas estão longe de ser uma solução eficaz ou eficiente.
O governo, portanto, ainda tem papel importante a cumprir no mercado de combustíveis, particularmente na relação entre gasolina e etanol. Mas nem toda intervenção é boa: também é preciso deixar as forças de mercado funcionarem mais livremente. No entanto, se a opção de política do governo for o controle dos preços, que este ao menos seja feito de forma mais transparente. Que, pelo menos, seja definida uma regra clara para a formação dos preços da Petrobrás. Com a relação cada vez mais estreita entre os mercados de ambos os combustíveis, as decisões tomadas sobre a gasolina afetam o etanol. Sem um horizonte mais claro para o preço da gasolina, é difícil acreditar na retomada do investimento sustentado no setor de etanol.
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