O GLOBO - 09/05
Um economista americano desconhecido estava revendo a tese de dois economistas muito conhecidos, que provava que a responsabilidade fiscal e a austeridade nos gastos sociais favoreciam, em vez de atrasar, como diziam alguns, a recuperação econômica, e estavam sendo usadas por economistas oficiais para justificar o aperto aplicado pela maioria dos governos do mundo contra a crise, quando descobriu um erro. Não um erro de posicionamento, de interpretação ou de redação - um erro de matemática. Certas contas não fechavam. Dois mais dois simplesmente não dava quatro. O economista desconhecido publicou sua descoberta, o que o tornou conhecido, e os dois economistas conhecidos reconheceram seu erro, mas não lhe deram importância, o que os tornou cúmplices declarados do massacre que a tese deles continua causando. A certeza de que com o tempo a austeridade se justificará, demonstrada claramente nas contas erradas da dupla, só conseguiu transformar "austeridade" em palavrão, nos países em que a maioria da população continua pagando, com desemprego e miséria, pelos desmandos dos seus governos e a ditadura do capital financeiro, responsável pela crise.
Mas talvez haja uma explicação que absolva os dois economistas conhecidos. É difícil imaginar que eles não tenham recorrido aos seus lepitopes, ou aos lepitopes de assistentes, para fazer suas contas. ("Veja aí, dois mais dois quanto dá.") E os lepitopes podem ter fracassado. Hoje confiamos tudo ao computador, por que não confiar na sua matemática? E a sua matemática pode entrar em pane. Me lembrei da história do Millôr sobre o último homem do mundo que ainda sabia contar nos dedos. Um dia, todos os sistemas interligados do mundo caem. Ninguém mais consegue escrever sem um teclado, o que dirá fazer contas sem uma calculadora eletrônica. Recorrem ao homem, que cobra caro pelo seu serviço. E o fornece tranquilamente, certo de que se errar nas suas contas primitivas, não haverá como comprovar o erro. Ele será a autoridade final em todas as contas.
A austeridade não está dando certo em nenhum lugar do mundo, muito menos nos países mais sacrificados pela crise como Grécia e Espanha. Na Inglaterra, as pompas fúnebres para Margaret Thatcher, Mrs. Austeridade, também foram, um pouco, uma celebração provocativa do aperto promovido pelo governo conservador. O neoliberalismo dando um último chute no "welfare state" antes de ser canonizado.
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