FOLHA DE SP - 05/03
Plebiscito na Suíça evidencia forte irritação com os salários e prêmios abusivos nas empresas
Plantu, o grande mestre da "charge" política, trouxe ontem para a capa do "Monde" um grupo de suíços que correm para a fronteira com a França aos gritos de "a Suíça está demasiado à esquerda; queremos nos refugiar na França".
Razão da fuga: uma sólida maioria de suíços (67,9%) votou domingo a favor de um projeto contra "remunerações abusivas" no mundo empresarial, a chamada "iniciativa gatos gordos", como ficou conhecida.
A sacada de Plantu é genial porque brinca com o fato de que a França é que é conhecida como perseguidora dos "gatos gordos", tanto que o ator Gérard Depardieu criou um baita escândalo recentemente, ao se mudar para a Bélgica para fugir aos impostos sobre os mais ricos.
A Suíça, ao contrário, é famosa por proteger as fortunas e seus segredos, o que torna a votação de domingo "uma pequena revolução", diz o "Monde".
O projeto prevê que caberá à assembleia-geral de acionistas votar, a cada ano, a soma global de remunerações do conselho de administração e da diretoria. Nada mais democrático, certo?
Além disso, ficam vetados os "paraquedas dourados", como são tratados os fabulosos bônus concedidos aos "gatos gordos" quando deixam a empresa, ou prêmios por compra ou venda de companhias.
Foi exatamente um "paraquedas dourado" recente que puxou votos a favor das limitações no plebiscito de domingo: o anúncio de que Daniel Vasella, presidente do grupo farmacêutico Novartis, receberia 72 milhões de francos suíços (R$ 151 milhões) ao deixar o cargo. Vassela renunciou ao pagamento, ante a rebelião que se seguiu ao anúncio.
O tiro nos "gatos gordos" ainda tem que ser regulamentado pelo Parlamento, e provavelmente acabará aguado.
Mas, ainda assim, ouso dizer que a votação na Suíça reflete melhor a ira da sociedade europeia com os abusos em que o capitalismo está se esmerando desde que derrotou o comunismo do que o espetacular avanço de Beppe Grillo na Itália.
Afinal, a Itália tem sido sinônimo de corrupção há muito tempo e está em processo de estagnação econômica desde o início do século. Surpresa seria se não emergisse um voto de protesto.
Já a Suíça é aquela conhecida placidez. Chama a atenção o fato de que a "iniciativa gatos gordos" não tenha sido da esquerda, que, no mundo inteiro, finge conviver mal com as fortunas. Foi proposta por Thomas Minder, empresário e senador da direita xenófoba, que costuma atribuir todos os (poucos) males da Suíça aos imigrantes mal remunerados, quando remunerados, e não aos executivos de salários dourados.
Sinal de que o mal-estar está se tornando insuportável, em especial com a banca, aquela cujos salários e bônus chocam mais ainda porque continuaram a ser colossais, mesmo depois da crise pela qual seus executivos foram em parte responsáveis.
A revista francesa "Marianne" interpreta o voto suíço como uma expressão do desejo de que "o sistema financeiro seja saneado e colocado à disposição da recuperação econômica, o que não está sendo o caso, hoje mais que nunca".
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