Ainda persiste entre os dirigentes do setor produtivo brasileiro o discurso de que a indústria é altamente competitiva do portão da fábrica para dentro, mas não do portão para fora. Com isso, querem dizer que não adianta muito modernizar linhas de produção e incorporar tecnologia, porque os custos derrubam tudo.
Aos poucos, os empresários têm tomado consciência de que as coisas são mais complicadas. A indústria brasileira, protegida demais, vai ficando fora do novo arranjo do mercado mundial, formado por grandes cadeias de fornecimento e de produção.
Duas advertências recentes foram feitas sobre esse tema por profissionais do setor. A primeira delas é do ex-embaixador do Brasil em Londres e nos Estados Unidos, Rubens Barbosa, hoje presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp. Em entrevista à jornalista Patrícia Campos Mello, veiculada na Folha de S.Paulo de 1.º de março, o embaixador Barbosa disse que a indústria nacional não só está sendo alijada da cadeia dos global suppliers. Ela também está fora da formulação de suas regras: o governo brasileiro deixou de negociar novos acordos comerciais.
Em outra entrevista, esta à repórter Raquel Landim, publicada ontem no Estado, o sócio-fundador do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Pedro Passos, adverte que "precisamos incluir o Brasil nas cadeias produtivas globais. Perdemos inúmeras oportunidades, temos de enfrentar essa agenda".
O problema não é só esse. Além de estar sendo excluída da cadeia global de produção, a indústria brasileira também não tem dado conta do mercado local. "Se a empresa não estiver na fronteira da tecnologia, perde o mercado interno", avisa Passos. Tanto não vem dando conta que a produção cai, mesmo com a forte elevação do consumo. E essa demanda tem sido cada vez mais suprida por importações.
O embaixador Barbosa observa que a Embraer é a única empresa brasileira que participa dessas cadeias. Não se preocupa em gerar cada componente de que precisa. Ao contrário, seus aviões são um agregado global. Entre seus modelos, há asas fabricadas no Japão; spoilers vindos da Argentina; trens de pouso e poltronas fabricadas na Alemanha; turbinas originárias da Inglaterra ou dos Estados Unidos; fuselagem feita na República Checa; e assim por diante.
"Com um índice de inovação baixo, não podemos ser exemplo do portão da fábrica para dentro", acrescenta Passos. É o contrário de tudo o que a política industrial do governo federal pratica. Para isso, trabalham para conseguir formar reservas de mercado para fornecedores das montadoras de veículos, da Petrobrás e da petroquímica.
Os formuladores da política industrial do Brasil não pensam nessa inserção no mercado internacional de tecnologia e de distribuição. Querem que tudo seja feito por aqui. E isso compromete o futuro da indústria. São os mesmos que, em vez de reconhecer o caminho certo da Embraer, tomam como exemplo os problemas da Boeing com suas baterias de lítio para sugerir que a própria Boeing devesse desenvolver suas baterias - e não terceirizar sua produção.
A indústria precisa fazer escolhas. Para isso, tem de ter noção clara dos seus limites. E é promissor que os próprios empresários estejam percebendo a necessidade do novo salto. Se o Brasil deve ter uma política industrial (os Estados Unidos não têm), o que o governo precisa fazer é orientar essas escolhas.
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