O GLOBO - 13/03
O cardeal Carlo Maria Martini teria sido o homem certo na hora certa; agora, seria a vez de Sean O’Malley.
Há os cardeais que foram eleitos Papa e aqueles que, com tudo para sê-lo, perderam a vez. No fim do século passado, o cardeal Carlo Maria Martini, arcebispo de Milão, tinha tudo para ser o sucessor de João Paulo II. Era jesuíta, e jamais um padre da Companhia sentara no trono, mas também se sabia que raramente o cardeal de Milão perdia o papado sendo um dos favoritos do conclave. Com sua longevidade, o Papa Woytila atravessou o tempo e continuou no Vaticano, enquanto Martini deixou a arquidiocese aos 75 anos. Em 2005, quando João Paulo morreu, ele teria disputado os votos com o cardeal Ratzinger. Perdeu, sentiu o peso do mal de Parkinson e afastou-se. Na sua última entrevista disse que a Igreja estava “duzentos anos atrasada”. Morreu em 2012, mas o Vaticano teria sida outro com o “Martini branco” (nas suas palavras), à frente.
Se os cardeais querem um pontífice com MBA, capaz de entrar na Cúria, botar a casa em ordem e estabelecer um clima de tolerância mínima com a pedofilia, os escândalos financeiros e as maracutaias da Cúria, o Papa seria o capuchinho Sean O'Malley, de 67 anos. Ele entrou no conclave sem o favoritismo dos cardeais Angelo Scola (arcebispo de Milão) e dom Odilo Scherer, mas sua repentina ascensão à lista dos papabilimostra que a possibilidade existiu.
Um Papa americano ofende muita gente, mas O'Malley tem origem irlandesa, como dom Odilo Scherer a tem alemã. Além disso, um Papa com cara de Papai Noel é outra história. Trata-se de um religioso que pode ser visto nas ruas de Boston, andando com as roupas e as sandálias da ordem. Ele limpou sua arquidiocese, a mais prestigiosa e também uma das mais corruptas dos Estados Unidos. Seu antecessor, o cardeal Law, era um queridinho dos líderes dos movimentos de esquerda, mas vivia como um príncipe, mandava padres pedófilos para psiquiatras em vez de entregá-los à polícia, arruinou as finanças da arquidiocese, foi obrigado a renunciar e vive em Roma. Numa Igreja que condena o divórcio, ajeitou a anulação do matrimônio de um filho de Robert Kennedy.
O'Maley é um pastor, foi missionário no Chile, junto aos sem teto do Caribe e concluiu um doutorado de literatura portuguesa e espanhola. Pacificou seu rebanho, indenizou 111 famílias de vítimas de abusos sexuais e foi o primeiro prelado a baixar uma política de repressão a essas práticas. A Arquidiocese de Boston tornou-se um polo de assistência a imigrantes. Para um trabalhador brasileiro na cidade, é mais negócio procurar ajuda na obra social de O'Malley do que o consulado de seu país. Mesmo assim, ainda há quem ache que ele fez pouco. No contencioso do capuchinho há a venda de um terreno da diocese para um fotógrafo por US$ 850 mil, revendido vinte dias depois para a Igreja Universal brasileira por US$ 2,65 milhões.
Se Martini tivesse sucedido Wojtyla, a Igreja não teria passado por aquilo que um dia poderá ser conhecido como a Crise de Ratzinger. Se O'Malley voltar para Boston como cardeal, algum dia se dirá que em março de 2013 perdeu-se a oportunidade de fazer aquilo que sabe-se lá quando será feito: entregar o trono do Vaticano a um administrador capaz de governar com uma política de tolerância mínima.
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