A suspensão do projeto de potássio Rio Colorado que a Vale do Rio Doce colocava em desenvolvimento na Argentina dá uma ideia do tamanho do risco econômico, político e até mesmo jurídico, para investidores e parceiros, em que vai desembocando o governo de Cristina Kirchner.
A Vale já investiu no empreendimento US$ 2,2 bilhões. Teria oficialmente de des embolsar mais US$ 4 bilhões - número virtual, uma vez que os problemas da Argentina transformaram o projeto em balde furado. Pelos cálculos da Vale, hoje exigiria ao menos mais US$ 11 bilhões.
É fácil compreender a escalada dos custos. A inflação real da Argentina está em torno dos 28% ao ano, mas o governo não reconhece mais do que 9,9%. Em compensação, para garantir o apoio dos sindicatos, concorda com reajustes salariais destinados a recompor o poder aquisitivo do trabalhador muito mais próximos da inflação real. (A Vale tem 4 mil funcionários em Mendoza, onde está a mina de potássio.) Preços e tarifas já controlados de longa data agora estão congelados por determinação do truculento secretário do Comércio Interior, Guillermo Moreno.
O câmbio é outra anomalia. Para deter a corrida aos dólares, o governo de Cristina Kirchner restringiu drasticamente a troca de moedas por empresas e pessoas comuns. O câmbio paralelo (blue) ostenta cotação 54% mais alta (brecha) em relação ao câmbio oficial.
As empresas (como é o caso da Vale) que têm de aportar dólares destinados ao investimento enfrentam perdas enormes nas trocas no câmbio oficial. Em contrapartida, seus custos em pesos argentinos disparam. Hoje, nenhum projeto de investimento se viabiliza.
Com o crédito externo cortado desde o supercalote de 2001, a Argentina ainda obtinha generoso comprador para seus títulos: o então presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Mas a economia venezuelana, em franca deterioração, já não vinha permitindo extravagâncias do tipo, agora, com a morte do chefe que queria e podia tudo, ficaram ainda mais difíceis.
Para continuar o projeto Rio Colorado, a Vale pediu alto volume de "compensações" cambiais, fiscais e financeiras que o governo da Argentina não quer conceder, aparentemente por crer que os pode arrancar do BNDES e do governo Dilma - que se mostra cada vez mais tolerante com os despropósitos dessa ordem.
O surrado argumento de que é preciso ter paciência com a Argentina - algo que a diretoria da Vale, que lá enterrou US$ 2,2 bilhões, já perdeu - não faz sentido diante da falta de sinais de que um dia, próximo ou mais distante, a situação se reverta. Ao contrário, as condições econômicas só tendem a piorar por inconsistência dos fundamentos. Quaisquer cenários futuros apontam para acirramento da insegurança econômica e jurídica, seja a que pretexto for. Na semana passada, por exemplo, pequena refinaria da Petrobrás em Bahía Blanca foi interditada por inesperada decisão judicial.
Vale e Petrobrás não são as únicas empresas que perdem bilhões em consequência da política da Argentina e da tolerância brasileira. O Brasil não tem sido capaz de negociar novos tratados comerciais com outros países e outros blocos econômicos porque seus compromissos no Mercosul exigem que arraste junto o peso morto argentino. E isso prejudica as empresas brasileiras que não conseguem ampliar o mercado externo.
O gráfico mostra como vem crescendo a diferença (brecha) entre as cotações do dólar em pesos argentinos no câmbio oficial e no paralelo (blue). No início de janeiro, estava em 39%. Nesta terça-feira, ficou nos 54%.
Por que assim? Quinta-feira sairá a Ata do Copom e então ficará claro se o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, mudou ou não seu prognóstico. Nesta terça, em Varsóvia, na exposição a potenciais investidores no Brasil, reconheceu que a inflação está forte, mas não repetiu o que sempre diz: que, no segundo semestre, voltará a cair.
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