Russ and Daughters entrou no meu mundo há uns dez anos. Um vexame.
Perdi os outros noventa e a casa de iguarias judias fica a cinco minutos da minha casa. Vai fazer 100 anos em 2014. Se incluirmos os anos que o criador Joel Russ vendia arenque num carrinho, são 106 anos de peixe em família.
Quando entrei lá pela primeira vez, um desconhecido me abordou e perguntou se queria trocar de camiseta com ele: "Negativo. A minha é mais bonita do que a sua e veio de longe."
A que ele oferecia era a camiseta da sua casa de "appetizers", e o que ele fazia era "schmooze", uma expressão ídiche que qualquer novaioquino conhece. A arte do encontro na base da conversa mole.
O "schmoozer" era Mark Russ Federman, na época o dono de Russ and Daughters Appetizers. A palavra "appetizers", que ninguém sabe explicar a origem, é importante porque distinguia a casa dele de uma delicatessen, onde vendiam carnes curadas e laticínios. As Delis não eram kosher.
As "appetizers" , no bairro judeu do Lower East Side, vendiam peixes, dezenas de tipos, defumados, curados com ou sem picles. Naquele começo de século, arenque e lox, que vem do alemao lachs, salmão, eram baratíssimos e campeões de venda.
Há poucos anos, o Sunday Times de Londres elegeu Russ and Daughters o "Louvre do Lox". Objetos e receitas da casa estão na Smithsonian Society, em Washington, que conta a história americana, e o chefe dos chefes, Anthony Bourdin, garante que é a mais importante instituição dos Estados Unidos, mais do que a estátua da Liberdade e o Empire State.
A casa cabe no guichê de venda de ingressos do Louvre. São mais ou menos sessenta metros quadrados e aviso: Não vá lá sábado nem domingo na hora do almoço, nem nas vésperas de feriados judeus. Você não consegue nem entrar, e pior, nem sair.
Quando o velho Russ chegou aos Estados Unidos, o Lower East Side era o maior gueto judaico do mundo e o bairro imundo era mais densamente povoado do que qualquer outra cidade. Os italianos tambem estavam lá, mas o primeiro plano de quem chegava era sair de lá.
Os Russ saíram mas a loja ficou no mesmo endereço e está na quarta geração.
As fotos dos antecessores estão nas estantes entre as latas de caviar, dos doces, das frutas secas. Há também fotos de celebridades, que chegam em limusines, pegam um número na máquina e esperam pela chamada, indistiguíveis e esfregados pela massa.
Há dezenas de casas de comidas judias em Nova York, a segunda maior cidade judia do mundo, perde para Tel-Aviv, mas aqui ou em Israel não há nada igual a Russ and Daughters.
Martha Stewart, a primeira-dama americana de mesa e jardim, ia lá com o pai aos domingos e hoje leva a filha para aprender, como ela, os diferentes tipos de salmão, arenques e caviar.
Mark Russ Federman acaba de lançar o livro Russ and Daughters , Reflexões e Receitas sobre a CASA QUE O ARENQUE CONSTRUIU(Russ and Daughters, Reflections and Recipes from THE HOUSE THAT HERRING BUILT). Ele não foi criado para suceder o pai. O plano da família era transformá-lo num bem sucedido advogado, o primeiro diplomado dos Russ. Deu certo.
Ele fez PHD e durante nove anos foi bem sucedido na firma, mas quando o pai adoeceu a opção era vender o negócio da família ou vender peixe. Lá foi ele para trás do balcão, durante 38 anos, até 2009 quando vendeu Russ and Daugther para a filha Niki e o sobrinho Joshua, ambos diplomados em ciências humanas. Dirigem a operação que hoje vende peixe pela internet para o mundo inteiro. Niki esta sempre a vista, o pai Mark aparece com frequência e schmooza.
Atrás do balcão há uma dúzia de parentes não sanguíneos dos Russ. Quem trabalha lá é "família". São de várias partes do mundo mas, além do inglês, o espanhol é a língua forte. Quase todos também falam ou entendem ídiche, até Chhape Sherpa Pinasha que nasceu nos Himalaias, só viu eletricidade aos 20 anos quando desceu da montanha. Foi guia de montanhistas e entre seus clientes vários eram de São Paulo.
Ele é conhecido como Sherpa Lox, já mereceu perfil no New York Times, é famoso pela habilidade de cortar as fatias mais finas de salmão defumado. Entre seus clientes está o produtor de cinema Robert Evans que gosta do salmão cortado tão fino, tão fino, que só tem um lado.
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