GAZETA DO POVO - PR - 19/03
À semelhança da lei de trânsito, inflação é mal com o qual se deve ter tolerância zero
O Brasil adotou um código de trânsito, com base no qual se pretende diminuir a tolerância com os maus hábitos dos motoristas, causadores de atropelamentos, mortes, mutilações de milhões de pessoas e todo tipo de acidente decorrente do mau uso de veículos. Em um primeiro momento, a legislação estabeleceu um limite de tolerância de álcool nos motoristas, e era possível beber sem que isso fosse crime, desde que a dosagem alcoólica no sangue não superasse a taxa mínima permitida. Com o passar do tempo, duas coisas foram percebidas: uma, ninguém pode definir com precisão a partir de que dosagem de álcool o motorista tem a coordenação motora prejudicada e os reflexos retardados e, assim, se torna um perigo ao volante; outra, os efeitos do álcool não são iguais para todos os indivíduos. Após essas constatações, o bafômetro passou a servir apenas para identificar o teor alcoólico, mas não o grau de perigo. Porém, em um ponto todos concordam: qualquer grau de teor alcoólico é prejudicial à acuidade do motorista.
Assim, o Brasil resolveu adotar a tolerância zero; os motoristas estão proibidos de dirigir com qualquer teor de álcool no sangue. Dizendo de outra forma, não existe quantidade ruim e quantidade tolerável de álcool para quem dirige um veículo automotor. Essa analogia pode ser feita com a inflação. Durante décadas, um certo tipo de economista dito “progressista”, geralmente vinculado a algum partido de esquerda, costumava dizer que um pouco de inflação não era problema, desde que a economia crescesse.
O mote de “um pouco de inflação com crescimento” passou a ser o mantra de muitos candidatos e, aos poucos, boa parte da sociedade passou a acreditar que isso fazia sentido. Ou seja, inflação demais era ruim, mas um pouco dela podia não ser prejudicial. Quem ousasse dizer o contrário e afirmasse que toda inflação é um mal era logo tachado de “conservador” e “de direita”, como se isso fosse uma praga a ser evitada. Após o Plano Real, com a adoção da política de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário nas contas do governo, a taxa de inflação buscada passou a ser fixada por resolução do Banco Central (BC).
Nos últimos anos, o BC tem fixado a meta de inflação em 4,5% ao ano, taxa essa que o governo federal passou a utilizar na elaboração da proposta orçamentária que anualmente envia ao Congresso Nacional. Essa taxa é chamada de “centro da meta”, admitindo-se uma variação de dois pontos porcentuais para mais ou para menos, ou seja, uma tolerância de até 6,5% de inflação anual. Tudo isso parecia normal e, desde que a inflação não passasse dos 6,5%, o governo nada teria de fazer para puxá-la para baixo. E, assim, o Brasil seguiu tolerante com a inflação, à moda da tolerância ao álcool no sangue dos motoristas, acreditando que ela não faria mal nem iria ultrapassar o limite superior.
Muitos economistas tentaram alertar o governo que nem mesmo uma inflação de 4,5% deve ser tolerada eternamente e, muito menos, deve-se aceitar com sossego uma taxa de 6,5% no ano. Eles foram, de novo, tachados de “monetaristas” e “inimigos do desenvolvimento econômico”. Mas, da mesma forma como o país percebeu ser preciso acabar com a tolerância ao álcool no trânsito, descobriu-se agora que nenhum bafômetro econômico é capaz de definir uma taxa de inflação que pode ser tolerada. A razão é simples: assim como o álcool, qualquer inflação é ruim, e 4,5% é uma inflação alta para padrões civilizados.
Ademais, o Brasil não tem conseguido manter a inflação no centro da meta. No ano passado, o IPCA ficou em 5,8%. Outros índices importantes ficaram mais altos. O IGP-M, que é usado para reajuste de aluguéis, tarifas públicas, planos de saúde e financiamentos imobiliários, ficou em 7,82%. A consequência foi que, neste início de 2013, a inflação começou a subir puxada por diversos fatores – alguns vindos do exterior, portanto, sem culpas internas, o que não justifica o fato de o governo estar sendo tolerante demais com a elevação dos preços.
À semelhança da lei de trânsito, inflação é mal com o qual se deve ter tolerância zero, como meio de mantê-la em níveis civilizados e não prejudiciais ao desenvolvimento do país. Ninguém pode ser ingênuo de pensar em inflação zero para o Brasil. Mas também não se pode aceitar uma inflação acima do limite superior da meta de 6,5%. Mesmo porque, daí em diante, ninguém sabe aonde o mal vai parar.
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