O Estado de S.Paulo - 19/03
A redução de 73% registrada em 2012 no saldo do Brasil no comércio com a Argentina - num período em que superávits dos principais parceiros comerciais dos argentinos aumentaram até 52% - não deixa dúvidas de que a política protecionista cada vez mais agressiva do governo da presidente Cristina Kirchner tem um alvo específico. Medidas administrativas que retardam ou impedem a entrada de produtos importados na Argentina têm sido contestadas por diversos países exportadores, mas toleradas pelo governo brasileiro. Como a escarnecer da atitude brasileira e das reiteradas promessas de amizade indestrutível da presidente Dilma Rousseff, feitas a sua colega argentina, o protecionismo de Buenos Aires prejudica direta e duramente o Brasil e preserva os demais países.
Os números da balança comercial entre os dois países não deixam dúvidas de que a condescendência com que o governo Dilma reage às restrições comerciais da Argentina estimula a ação dos funcionários do governo Kirchner notoriamente contrários à entrada de produtos brasileiros em seu país. Ruins para o Brasil já em meados do ano passado, os resultados do comércio bilateral ficaram ainda piores no acumulado de 2012.
Em julho do ano passado, as importações argentinas de produtos brasileiros tinham sido 67% menores do que as registradas em julho de 2011 e o superávit comercial acumulado pelo Brasil nos sete primeiros meses do ano tinha diminuído 52% em relação ao período janeiro-julho do ano anterior.
Em todo o ano passado, as exportações brasileiras para a Argentina somaram US$ 18 bilhões, 21% menos do que os US$ 22,7 bilhões exportados em 2011. As importações brasileiras de produtos argentinos, de sua parte, de US$ 16,8 bilhões, mantiveram-se praticamente no mesmo nível de 2011, de US$ 16,4 bilhões. Com isso, o saldo caiu de US$ 5,9 bilhões para US$ 1,6 bilhão, uma redução de 73% (algumas consultorias privadas, como a Abeceb.com, calculam a queda em 65%).
Atribui-se a queda das importações de produtos brasileiros à redução do ritmo da economia argentina no ano passado, quando deve ter crescido menos de 2%. Essa é uma explicação parcialmente verdadeira. Mas, no momento em que as exportações brasileiras caíam, as dos outros principais países fornecedores da Argentina cresciam, e em ritmo intenso. As da Holanda aumentaram 160%; as dos Estados Unidos, 9%; as do Japão, 7%; e as da Alemanha, 2%, como noticiou o jornal Valor (18/3). O superávit, que no caso do Brasil teve fortíssima contração, aumentou 52% para a Alemanha, 29% para os Estados Unidos e 14% para a China.
Brasil e Argentina são os principais integrantes do Mercosul, o bloco do Cone Sul que, teoricamente, é uma união aduaneira, na qual é livre a circulação de bens e serviços. Desde meados da década passada, no entanto, a Argentina vem restringindo a entrada de produtos estrangeiros, mesmo os originários de outros países do Mercosul.
No ano passado, o governo Kirchner instituiu um sistema de controle administrativo de importações que vem retendo mercadorias nos postos alfandegários até a emissão de uma autorização especial para a entrada no mercado argentino. Essa autorização está condicionada à apresentação prévia de uma declaração juramentada, cuja aceitação depende do juízo de setores do governo responsáveis pelas medidas protecionistas.
O objetivo dessas medidas é estimular a produção argentina, mas as ações do governo Kirchner no campo econômico vêm assustando os empresários, nacionais e estrangeiros, o que inibe os investimentos produtivos.
As presidentes dos dois países deveriam discutir, entre outras, a questão da deterioração do comércio bilateral por causa do crescente protecionismo argentino, numa reunião que estava marcada para o início de março. O encontro teve de ser adiado em razão da morte do presidente venezuelano Hugo Chávez. O tema, porém, não pode mais ser adiado, como deixam claro os dados recentes sobre o comércio bilateral. Se o governo Dilma não mudar sua atitude em relação à Argentina, o governo Kirchner se sentirá ainda mais livre para prejudicar o Brasil.
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