A Europa conseguiu cumprir um roteiro de como não enfrentar uma crise. O resultado foi fazer com que uma ilha que representa 0,2% da economia da região estivesse ontem no centro do tremor que novamente abala a União Europeia. O primeiro mandamento de como não administrar uma crise é ameaçar os correntistas com confisco. E foi exatamente o que os líderes europeus fizeram.
O Chipre é uma economia de US$ 22 bilhões, mas que tem um setor bancário várias vezes o tamanho do seu PIB porque é o local onde aposentados ingleses vão passar férias e deixam parte das economias e onde russos aplicam.
A dívida pública teve um crescimento exponencial: saiu de 48% do PIB em 2008, foi para 87% no ano passado e está a caminho de 100%, segundo o FMI. Os tremores de ontem lembraram que a crise europeia está viva e há risco de contágio de outros países.
- Chipre é um centrinho financeiro e que enfrenta, por causa da crise, recessão, desemprego, aumento da dívida. Diante da necessidade do resgate, os dirigentes da Europa fizeram as contas e concluíram que custaria ¬ 17 bilhões. Eles decidiram, por influência da Alemanha, determinar que os correntistas também pagariam uma parte da conta. E assim eles fizeram exatamente o oposto do que deveriam fazer, porque detonaram uma corrida aos caixas no fim de semana para saque. Nesta segunda, era feriado nacional, mas isso tornou inevitável o feriado bancário - disse Monica de Bolle, da Galanto Consultoria.
Monica já dizia que o feriado era inevitável, e à tarde foi anunciado que os bancos só vão reabrir na próxima quinta-feira. Ela teme agora que haja um contágio em outros países sobre os quais há dúvidas.
- É importante evitar a desconfiança em relação a outros países para que o Chipre não seja visto como um teste sobre a maneira como a Europa lidará com a crise. Se a fórmula for tomar parte do dinheiro dos correntistas, através de imposto ou confisco, o medo se espalha. E não atinge apenas Portugal, Espanha, mas Itália, também, que além de estar numa situação delicada, permanece sem governo.
Entre as dificuldades da Itália há uma bem conhecida do Brasil: a relação promíscua em que os bancos das províncias financiam os governos das províncias. Aqui no Brasil, o governo Fernando Henrique fechou, vendeu, privatizou a maioria desses bancos exatamente para evitar esse ralo.
No ano passado, houve um momento em que o fantasma do contágio atravessou a Europa. O risco foi enfrentado pelo presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, anunciando que daria liquidez ilimitada aos governos que tivessem dificuldade de rolar seus papéis. Ao inventar uma fórmula para punir os correntistas dos bancos do Chipre, o que a Europa conseguiu foi trazer de volta o fantasma que a rondava no ano passado.
- Sabe a borboleta que bate as asas e provoca um furacão do outro lado do mundo? É o Chipre - brincou Monica de Bolle.
Ao longo do dia de ontem as autoridades já falavam em alíquotas menores para os impostos que seriam cobrados dos correntistas, mas já era tarde. Quebrou-se a confiança. A Rússia fez severas críticas à maneira como o assunto foi enfrentado, e a Inglaterra prometeu proteger os ingleses submetidos a essa violência financeira.
O dia de ontem foi o de tentar minimizar o estrago, anunciando a redução das perdas dos pequenos investidores ou acenando com compensações. Adianta pouco. Uma pequena ilha no Mar Mediterrâneo virou centro das discussões nos mercados financeiros, tema das manchetes dos jornais econômicos e preocupação de autoridades pelo mundo afora. Mas não foi o Chipre, mas sim os condutores da crise europeia os que detonaram essa inversão da ordem.
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