O GLOBO - 25/03
A Constituição promulgada em 1988 formalizou o fim do ciclo do autoritarismo e criou um conjunto de normas para adequar o país às regras da democracia. Os constituintes de 87 criaram bases sólidas para a reconquista dos direitos civis, mas parte ponderável deles ainda estava sintonizada num mundo em que o Estado exercia papel central na sociedade. Assim, a Carta incorporou preceitos de um Estado tutor, voraz arrecadador de recursos via impostos para supostamente fazer “justiça social”.
Nas relações trabalhistas, devido à esta visão, a Carta manteve anacronismos herdados do getulismo. A manutenção da CLT, em lugar da flexibilização da legislação trabalhista, e o tratamento paternalista que o Estado dispensa a entidades de classe são exemplos desse descompasso.
A ideia de que amarras da lei protegem os trabalhadores, em lugar do recurso a mecanismos mais flexíveis, ditados pela dinâmica das relações entre patrões e empregados, acaba, não raro, por transformar a legislação pretensamente protecionista em bumerangue que se volta contra aquele a quem se pretende beneficiar.
Caso mais recente dessa equivocada visão está no projeto de emenda à Constituição que assegura aos domésticos os mesmos direitos dos demais trabalhadores.
Aprovado no Senado em primeira votação, o projeto deve voltar ao plenário nos próximos dias, para a rodada definitiva de apreciação pelos senadores. A tendência é que o Congresso o aprove rapidamente, mesmo faltando os dois turnos de votação na Câmara dos Deputados.
Pelas novas regras, os empregados domésticos passa a ter direito a uma jornada de oito horas, salário-família, horas extras e recolhimento obrigatório, pelo patrão, do FGTS (mais multa de 40% de indenização em caso de demissão sem justa causa).
Especialistas estimam que o impacto dessas novas obrigações poderá chegar a 41% sobre o orçamento atual dos patrões. De imediato, sem levar em conta o pagamento de horas extras e outros penduricalhos, as despesas com a manutenção de uma doméstica serão em torno de 10%. Trabalhadores têm direitos que precisam ser assegurados. Fora de discussão. Mas a extensão pura e simples, de imediato e sem gradações que deem margem aos empregadores de adaptar o orçamento a obrigações recém-criadas, de benefícios de impacto direto na renda familiar terá dois efeitos imediatos: demissões e o aumento da informalidade.
Entre a obrigação de comprometer a renda da família — um fantasma para a classe média, faixa na qual se concentra a maioria dos empregadores do país, já pressionada por uma voraz legislação fiscal — e, por mais difícil que seja, a decisão de demitir a empregada não é difícil prever para onde a balança penderá. Longe de dar estabilidade aos trabalhadores domésticos, as novas regras punirão aqueles que hoje têm um salário assegurado, e afastará ainda mais a carteira de trabalho assinada da grande maioria que vive na informalidade.
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