O Estado de S.Paulo - 28/03
Em entrevista aos jornalistas brasileiros em Durban (África do Sul), onde se encontrava para a cúpula dos Brics, a presidente Dilma Rousseff fez declarações sobre a inflação e sobre a estratégia de contra-ataque do governo que trombavam frontalmente com o que vem sendo dito pelo Banco Central.
Foram afirmações feitas horas antes da divulgação do Relatório de Inflação (que sai hoje), documento trimestral pelo qual o Banco Central transmite seu diagnóstico da inflação e diz como pretende controlá-la.
Depois que o conteúdo da entrevista foi conhecido pelo mercado financeiro e que já fazia estragos no mercado futuro de juros, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, em nome da presidente Dilma, reafirmou a disposição do Banco Central em combater a alta da inflação com a veemência devida: "Não há tolerância em relação à inflação".
Horas depois, a própria presidente voltou a convocar os jornalistas brasileiros para denunciar a "manipulação da notícia" e deixou claro o que não tinha ficado antes: que, para ela, "o combate à inflação é um valor em si".
Nas declarações que entendeu terem sido manipuladas, Dilma dissera que o aumento da inflação que aí está é produto de choques externos e que seu governo não vai adotar nenhuma política que sacrifique o crescimento econômico e o emprego. Ficou entendido, assim, que o recuo da inflação viria espontaneamente e que a política monetária (política de juros) não deveria ser acionada pelo Banco Central para empurrar a inflação para dentro da meta.
A ênfase dada pela presidente Dilma às causas externas da inflação não explica por que esses choques de oferta de alimentos, gerados pela seca que derrubou as safras dos Estados Unidos no ano passado, só provocaram toda essa inflação no Brasil - e não também em outros países emergentes.
De todo modo, não é esse o diagnóstico do Banco Central. Em seus documentos (Relatório de Inflação e atas do Copom) vem denunciando mais causas internas do que externas para a inflação, que atualmente ultrapassa o nível dos 6% em 12 meses.
São elas fundamentalmente três: (1) descompasso entre uma "demanda robusta" e uma oferta fraca, ou, em outras palavras, incapacidade da produção interna de dar conta do forte consumo; (2) política de gastos públicos frouxa demais; e (3) mercado de trabalho excessivamente aquecido.
O Banco Central tem também repisado que não há incompatibilidade entre as políticas de combate à inflação e a criação de condições para o crescimento econômico - como pareceu sugerir a presidente Dilma Rousseff. Tem enfatizado o contrário. No parágrafo 32 da última Ata do Copom, por exemplo, deixou dito que "taxas de inflação elevadas reduzem o potencial de crescimento da economia, bem como de empregos e de renda".
As declarações estão gravadas e aparentemente a presidente disse o que não deveria ter dito. Talvez a questão mais relevante para o acontecido seja o fato de que, apesar das explicações e dos desmentidos, Dilma tem dado motivos para que os agentes econômicos tendam a achá-la mais tolerante com a inflação do que admite ser. E, também, de que não gosta de que a política de juros seja usada para enquadrar a inflação dentro da meta.
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