O ESTADÃO - 21/03
O agravamento da inflação mostra três atores atuando no que fazer. Num canto, o mercado financeiro e alguns acadêmicos defendem um imediato aumento da taxa básica de juros, ou Selic. Noutro, o governo recorre a medidas inconsistentes entre si, e até ao controle direto de alguns preços. Fez e ainda o faz de várias maneiras, como ao alterar regras do mercado de energia, conter o preço de derivados do petróleo e desonerar de tributos federais a cesta básica. No meio está o Banco Central (BC) que reconhece a piora da inflação, mas não aumenta a Selic, tolhido que está por sua dependência do governo.
Dada essa dependência, tomarei o governo e o BC como de um lado só. Quanto àqueles que pregam com ênfase o aumento dos juros, a dependência vem de sua adesão estrita ao modelo de metas de inflação. Nada veem além dele, pelo qual a Selic deve subir se a inflação se agravar; e se ficar abaixo do centro da meta do BC, hoje em 4,5% ao ano, o Banco Central pode reduzir os juros, mas essa meta deveria ser ainda menor.
Ora, esse modelo está longe de sacrossanto. Mesmo antes da crise que abalou os mercados financeiros em 2008 já não era uma unanimidade, pois funcionava em determinados países e circunstâncias, e não noutros. E com essa crise se evidenciou a dificuldade de os bancos centrais se anteciparem à eclosão delas de modo a evitar a instabilidade financeira decorrente.
Com isso, no debate internacional há um esforço para rever tal modelo. Destaco o documento Rethinking Central Banking (Repensando os Bancos Centrais, disponível em www.brookings.edu/research/reports/2011/09/ciepr-central-banking). Foi preparado por 15 especialistas de renome, entre eles Barry Eichengreen, Raghuram Rajan, Dani Rodrik, Kenneth Rogoff e o nosso Armínio Fraga.
Volta-se para questões de maior interesse internacional e de países ricos e destaca tarefas adicionais que os bancos centrais devem ter, como essa de se anteciparem a crises. Nessa linha, recomenda, entre outras, o recurso a medidas conhecidas como macroprudenciais, ou de controle do crédito, e institucionais, como a criação de um comitê internacional para coordenar ações dos bancos centrais nacionais, já que seus efeitos costumam estender-se também a outros países.
Em particular, nos seus mercados cambiais, em que a transposição de fronteiras é comum. Ao falar de guerra cambial, é disso que autoridades brasileiras se queixam quando nossa moeda é afetada. Quanto a isso, o documento admite um temporário controle do fluxo de capitais estrangeiros, o que é abominado pelos mais contundentes defensores do modelo de metas de inflação, pois ligada a ele está também a defesa do câmbio flutuante.
Diante de considerações como essas que admitem o controle cambial ao lado de medidas macroprudenciais, o papel da taxa básica de juros permanece importante, mas num enredo a que se incorporam outros atores, como esses. Para o Brasil a lição é que esse elenco ampliado não deve ser demonizado pelos que limitam a política monetária à inflação e ao uso da Selic.
Passando ao governo e seu BC, o problema maior é que sua política dita econômica é também radical. Seu maior objetivo é político, o de assegurar a reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014. Como ela admite que na campanha eleitoral tudo pode, seu séquito segue seu comando. E fica no faz-tudo casuístico, sem maior consistência na utilização dos instrumentos de política econômica. Assim, quer menores taxas de juros, o que é uma preocupação legítima, mas insustentável diante da indisciplina fiscal e creditícia praticada pelo governo. As ações governamentais nessas duas áreas poderiam inscrever-se como macroimprudenciais.
Juros mais baixos combinados com essa indisciplina estimulam a demanda, e isso ocorre numa situação em que a oferta está contida por investimentos fracos e o custo de mão de obra está em ascensão. Mas o governo insiste em turbinar a demanda e dá no que deu: mais inflação. Isso ao lado de um sentimento de insegurança quanto à natureza da política econômica, o que desestimula decisões de investir. Daí resultam também as taxinhas do PIB e o conformismo com outras apenas um pouco maiores.
Diante desse quadro, cabe a moderação da política creditícia e fiscal - esta também enfatizada pelo documento -, exceto na realização de investimentos, particularmente em infraestrutura, que beneficiará todos os que a utilizarem, e não apenas os escolhidos para receberem este ou aquele incentivo governamental. Sem essa moderação fica difícil, neste momento, assegurar uma Selic permanentemente baixa.
No ano que vem o Plano Real fará 20 anos. Como os jovens brasileiros de idade semelhante, deve ser preservado dos riscos de descaminho. No caso, causados por esse vício eleitoreiro que está na raiz da política econômica governamental.
Quanto aos apóstolos radicais do modelo de metas, seria importante se fossem tomados por uma visão mais aberta sobre a teoria e a prática da política monetária. O mundo real é muitíssimo mais complexo do que esse modelo imagina e há essa necessidade de os bancos centrais reconhecerem a importância de outros temas e problemas além da sua pauta tradicional. Como conclui o referido documento: "Bancos centrais terão maior chance de resguardar sua independência e credibilidade se explicitamente reconhecerem e cuidarem das tensões entre metas de inflação e outros objetivos simultâneos, em lugar de negar essas conexões, e fazer apenas o trivial a que estão acostumados".
Os que defendem essa trivialidade no Brasil se credenciariam à gratidão nacional se pusessem seu talento intelectual a resolver essas tensões sem restringi-lo apenas a exercícios contextualizados numa órbita muito distante da realidade.
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