O Estado de S.Paulo - 02/02
O senador Renan Calheiros conhece a história. Havia lá nas Alagoas de sua Murici natal um chefe político do interior ("coronel Elísio") violento no gesto e ameno na palavra que depois de mandar matar seus desafetos comunicava assim o fato consumado aos chefiados: "Deu-se a tragédia".
Assassinado o decoro ontem às 14h30, deu-se a tragédia no Senado, que agora terá de conviver com um presidente moralmente baleado e por dever de ofício emprestar-lhe reverência.
O ato da eleição em si foi relativamente simples. Bastou que o candidato se mantivesse escondido, que o PMDB lhe desse abrigo, que o vice-presidente da República fizesse papel de seu porta-voz, que o governo compactuasse e que a maioria das excelências (56 em 81) a ele se igualasse.
O complicado vem agora. Salvo apodrecimento precoce que interrompa o percurso, serão dois anos durante os quais não há a menor chance de as coisas melhorarem por lá, não obstante pior pareça impossível.
O Senado não terá um presidente por inteiro. Será permanentemente cobrado pelas denúncias que o envolvem e podem em breve transformá-lo em réu no Supremo Tribunal Federal.
Provavelmente Calheiros até tenha a intenção de fazer uma "gestão belíssima", como disse seu correligionário Michel Temer.
Candidato calado até aquele momento, ele iniciou seu discurso exaltando o valor do "debate". Falou em "eixos", "gestão eficiente", "transparência", "modernidade", "banco de dados" e por aí foi no palavrório de burocrata sem triscar de leve sequer no problema de fato: os fatos que desqualificam o Congresso que a partir de agora preside.
Lançou mão de um verniz defendendo a "liberdade de expressão" e a ética "como obrigação"; disse que o Congresso "é sócio da crise" geral dos parlamentos, mas transitou ao largo das razões do estrago específico. Nada que lhe crie dificuldades, pois se o Senado quisesse mesmo sair do fosso teria feito uma escolha mais decente.
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