FOLHA DE SP - 02/02
Há todo um universo, com representatividade popular, cuidando de cada tema que chega ao Legislativo
Há iniciativas que, por ferirem o mais elementar senso comum, não conseguem ocultar sua origem e objetivos.
É o caso das três Adins (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) -tema do qual tratei aqui no sábado passado- que a PGR (Procuradoria-Geral da República) encaminhou ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra o novo Código Florestal.
A PGR "descobriu" nada menos que 39 inconstitucionalidades no Código, enxergando o que nem os 594 congressistas (513 deputados e 81 senadores) e respectivos assessores técnicos, órgãos da sociedade civil e a própria Presidência da República conseguiram. Um fenômeno!
É sabido que todo e qualquer projeto cumpre rigoroso rito legislativo. Antes de ser votada na Câmara ou no Senado, a proposta é submetida, em cada Casa, ao crivo de uma Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), composta por parlamentares com formação jurídica, assessorados por técnicos, cuja missão é exatamente aferir a sua constitucionalidade.
Após a manifestação da CCJ, ela vai para uma comissão especializada. E propostas que envolvem mais de uma disciplina tramitam por mais de uma comissão técnica.
Novamente, deputados ou senadores, devidamente assessorados por especialistas, debruçam-se sobre a matéria.
Não raro, a submetem a audiências públicas, envolvendo, no debate, os segmentos da sociedade civil interessados no assunto.
Só depois de superadas essas etapas a proposição vai a plenário, ocasião em que partidos ou parlamentares podem reavaliá-la, propor emendas ou, até mesmo, apresentar um substitutivo.
Estabelece-se a controvérsia e, onde não há consenso, decide-se no voto. Após toda essa complexa liturgia, a proposta segue à sanção presidencial, onde, mais uma vez, se submete a especialistas que podem recomendar vetos à chefia do governo.
E todo veto tem que passar pelo Congresso, que pode ou não acatá-lo. Há, pois, todo um universo, com representatividade popular, cuidando de cada tema que chega ao Legislativo, quer pelo ângulo técnico-jurídico, quer pelo ângulo político.
Pode-se reclamar de uma opção política. Tecnicamente, porém, a probabilidade de uma falha, embora possível, é rara.
Mas 39 falhas é simplesmente inacreditável, sobretudo para uma proposta, como a do Código, que tramitou uma década, com diversas audiências públicas. Nada foi mais visto, revisto e discutido que seus dispositivos.
O interessante é que as "inconstitucionalidades" apontadas são exatamente as que geraram controvérsias com as ONGs ambientalistas, que conspiram contra a produção agrícola do país -e perderam no voto. Coincidência?
Vejamos: o Ministério Público questiona, entre outras coisas, as áreas de preservação permanente; a recomposição de reserva legal por pequenos proprietários; a inexistente "anistia" aos desmatadores (na verdade, restauração do que foi ilegalmente desmatado); a compensação da reserva legal por arrendamento ou por doação de área dentro da unidade de conservação a órgão do poder público. Etc., etc.
A procuradora-geral em exercício, Sandra Cureau, considera "inconstitucionalidade e retrocesso" a redução e a extinção de áreas que eram protegidas por legislações anteriores. Ora, se a lei mudou, mudam os critérios e os conceitos antes vigentes.
Mas ela desce a detalhes técnicos que definitivamente não lhe cabem, ao sustentar, em uma das ações, que é preciso "preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais".
Que sabe a PGR sobre "processos ecológicos essenciais"? Trata-se de matéria técnica, exaustivamente discutida em âmbito próprio. Não é questão afeta à Procuradoria.
É claro que, no espaço de um artigo, é impossível descer aos detalhes de três Adins e refutar cada objeção. Terei oportunidade de fazê-lo da tribuna do Senado e na CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Lembro apenas que o Ministério Público não é instância de militância política e não pode levar, ao tapetão, questões já resolvidas no campo próprio da disputa, isto é, o Congresso. Isso, sim, é inconstitucional.
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