domingo, fevereiro 17, 2013

Preocupado com o quê? - SÉRGIO AUGUSTO

O ESTADO DE S. PAULO - 17/02

Como faz todos os anos desde 1998, o agente literário John Brockman despachou por e-mail uma pergunta provo- cativa à legião de cientistas, intelectuais, acadêmicos e artistas que lotam sua agenda de amigos e parceiros no site Edge.org., e ficou esperando. Em poucas semanas recebeu 154 respostas, assinadas por notórias figuras do mundo científico e habitués de sua enquete anual (Steven Pinker, Sam Harris, Daniel C. Dennett) e gente do show business (Brian Eno, Terry Gilliam, Richard Foreman). A pergunta de 2013 - "Com o que devemos nos preocupar?" - lhe foi soprada pelo entendido em história da ciência George Dyson.

O próprio Dyson foi o primeiro a pedir cautela com o alarmismo: "As pessoas tendem a se preocupar com coisas que não valem a pena, desprezando outras com as quais deveriam se preocupar". Concordando com o historiador, a jornalista Virgínia Hefferman parafraseou Roosevelt, substituindo o medo da exortação original: "A única coisa que nos deve preocupar é a própria preocupação". Até porque, como observou o cientista social Dan Sperber, "quando inócuas e descabidas, certas preocupações nos trazem mais danos que benefícios".

Ansiedade, estresse, por exemplo. Meia dúzia de especialistas em ciência cognitiva pegaram essa linha de raciocínio. Um deles, Joseph Le Doux, chegou a sugerir que aprendêssemos a tornar a ansiedade produtiva, a usá-la em vez de sermos usados por ela. Estaremos psicológica e politicamente capacitados para só nos preocuparmos com o que mais precisaríamos nos preocupar?, indagou o psicólogo e neurocientista Brian Knutson, há tempos preocupado com o que batizou de "misplaced worries" (inquietações inoportunas). Só o tempo dirá.

A debacle do euro? O abismo fiscal americano? A tensão permanente no Oriente Médio? Os flagelos causados pelo aquecimento global? As chacinas em shoppings, cinemas e escolas? A finitude dos recursos naturais? Tais questões, embora inquietantes e oportunas, só foram abordadas em duas ou três respostas, nem sempre de frente.

O biólogo e paleontólogo Scott D. Sampson foi o único a meter a colher nos desastres naturais e nas agressões do homem ao meio ambiente, e apenas o físico Giulio Boccaletti chamou a atenção para a assustadora redução dos recursos hídricos do planeta. Jonathan Gottschall inocentou a violência na ficção, tão demonizada a cada morticínio em locais públicos. Não mais do que dois participantes se revelaram preocupados com o crescimento econômico atrelado à especulação financeira. Detalhe: um deles, Satyajit Das, é financista.

O psicólogo e lingüista canadense Steven Pinker teme uma nova guerra mundial, tantos são os fatores negativos aptos a provocá-la. Terrorismo nuclear não parece tirar o sono de ninguém (nem o mais bilionário nerd teria condições de fabricar um artefato nuclear e detoná-lo de seu laptop, racionalizou o filósofo Daniel C. Dennett), mas outras modalidades de terrorismo digital, sim: hackers invadindo sistemas, roubando senhas bancárias, derrubando portais, espalhando vírus, a trivial delinquência eletrônica.

"Por erro ou de caso pensado, um bioterrorista pode deflagrar um colapso social", adverte o cosmólogo Martin Rees, criador da expressão "antropoceno", a era presente, em que as ameaças globais são provocadas mais pelos homens (e suas máquinas e inovações) do que pela natureza. "Receio que o mundo natural esteja ficando naturalmente desnaturado", desabafou a bióloga Seirian Sumner, especialmente grilada com os avanços da biologia sintética. Mais generalistas, o também biólogo Colin Trudge lastimou a gradativa "perda da integridade da ciência" e o cientista social Nicholas A. Christakis, sua transformação de vilã em vítima do homem.

Outras calamidades, algumas hipotéticas, outras reais ou em gestação, entraram pauta: uma explosão de novas drogas ilegais; a possibilidade de pleno êxito de um projeto de I.A. (Inteligência Artificial) e a consequente escravização do homem por cérebros eletrônicos; nossa atual incapacidade para prever com exatidão como seria um mundo cheio de robôs e nanotecnologicamente avançado; a emergência de uma nova desigualdade em escala mundial com a eventual concentração em poucas mãos do acesso a bancos de dados fundamentais; o exorbitante papel dos mecanismos de busca na internet (que agora não apenas informam, mas também opinam e manipulam o gosto e as idéias dos usuários, alertou o físico W. Daniel Hillis); a desassistência à educação de 40% dos adolescentes; o desmedido culto dos pais ao pragmatismo educacional, em detrimento do estímulo à imaginação e à criatividade; a homogeneização da cultura e da experiência humana em escala global; a epidemia mundial de mentiras, fraudes, plágios e falsificações (destaque para o ciclista Lance Armstrong); a incompetência e o possível esgotamento da democracia liberal; a peste fundamentalista; a praga anti-intelectualista.

Os efeitos colaterais da Quarta Cultura, ou seja, os desacertos causados pelas novas tecnologias, alcançaram alto índice de preocupação. Sofreremos ainda mais com o déficit de atenção e paciência, com a prevalência do conhecimento rápido, ligeiro, superficial, googlado, com a perda das habilidades manuais e do senso histórico (sufocado pelo presentismo) e sua mais danosa conseqüência, a amnésia coletiva, porta aberta para o primado da estupidez e o triunfo da idiocracia.

A nunca esquecida explosão demográfica ganhou novos contornos com a eugenia (menos e melhores filhos) praticada na China pós-Mao como parte de suas ambições hegemônicas. A China, insiste o psicólogo Geoffrey Miller, não quer tornar-se apenas a maior potência militar, econômica, industrial, comercial e cultural do século 21, mas também a mais biopoderosa, com os seres mais saudáveis e bem-dotados intelectualmente da Terra. Miller, contudo, confessa estar menos preocupado com os sonhos de grandeza dos chineses do que com uma reação ocidental movida a preconceitos ideológicos, xenofobia e pânico bioético.

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