O Brasil enfrentou dois congelamentos de preços aplicados a toda a economia: no governo Mediei, na década de 1970, e em 1986, com o Plano Cruzado, gestão Sarney. Nos anos 70, num ato de força (como de força era o regime político do País), o então ministro da Fazenda, Delfim Netto, decretou um congelamento por todos desrespeitado e que só serviu para falsificar os índices de inflação, corrigidos por Mario Henrique Simonsen no governo Geisel. Em 1986 a mesma equipe de economistas que, em 1994, arquitetou o bem-sucedido Plano Real falhou no Cruzado, justamente porque o congelamento não se sustentou e a inflação disparou. Ainda no governo Sarney e depois, no de Collor, outros planos econômicos (Cruzado 2, Bresser, Verão, Collor 1 e 2) recorreram a rápidos congelamentos, todos fracassados, desmoralizados e de vida curta. Há 19 anos, desde março de 1994, o Brasil vive estabilidade nos preços, aperfeiçoou seu sistema de controle da inflação, sem nenhum congelamento e com total liberdade de preços.
É grande a tentação do governante populista de congelar preços quando a inflação foge do controle e ameaça matar sua popularidade. Ele sabe que vai dar tudo errado e a inflação vai voltar com força redobrada. Mas, além de acreditar que congelamento provoca impacto popular positivo, ele quer ganhar tempo para tentar recuperar credibilidade política O Brasil parece ter-se vacinado contra esse artifício. Ao sinal de descontrole da inflação, como agora, o Banco Central age para revertê-lo. Mas los hermanos argentinos não aprenderam. Apesar de há mais de 40 anos, desde Juan Domingo Perón, o país acumular triste e longo histórico de fracassados congelamentos, a presidente Cristina Kirchner acaba de anunciar acordo com redes varejistas de supermercados e eletrodomésticos para congelar preços por dois meses, até 1º de abril.
A rejeição foi imediata, o impacto popular esperado converteu-se em descrença e reprovação. Até o aliado do governo Antônio Calo, líder metalúrgico e dirigente da Confederação Geral do Trabalho, criticou: "De que adianta fixar preços máximos se minha esposa vai ao supermercado e não encontra o produto?". Não demorou para o fantasma do desabastecimento novamente rondar os argentinos. E pior: a inflação não vai recuar; pelo contrário, tem tudo para explodir depois de abril. Eles sabem disso.
Congelar preços é método erradicado no múltiplo mundo globalizado e conectado na internet, pela absoluta incompatibilidade com este mundo, a inescapável ineficácia e total impossibilidade de controle. Para dar certo, seria preciso domesticar todos os setores da economia, não só o varejo de alimentos e eletrodomésticos. A começar pelos trabalhadores, que abririam mão de aumentos salariais; as tarifas públicas sem reajuste algum; a produção agrícola e industrial com preços parados; o comércio bancando o disciplinado bom moço; e até o preço dos importados teria de ser combinado lá fora. Seria como revogar a lei da oferta e da procura. Como respondeu Garrincha ao técnico de futebol Feola, que ensinava cada passe dos brasileiros para derrotar a Rússia: "Mas, seu Feola, tem também de combinar com os russos". Senão, não dá certo. Como o congelamento de Cristina.
Na semana passada a indústria de alimentos que fornece aos supermercados se reuniu e decidiu liberar as empresas para praticarem preços compatíveis com seus custos. Se fornecedores de insumos, tarifas de energia elétrica e combustíveis e salários dos empregados são reajustados, impossível manter os mesmos preços, argumentam empresários. E essa situação se espalha por toda a economia.
A popularidade de Cristina Kirchner desabou com o medíocre Produto Interno Bruto (PIB) de apenas 1,9% em 2012 e uma inflação que avançou 25,6% e subiu 2,58% no mês passado. Cristina é pressionada por trabalhadores que reivindicam aumentos salariais entre 25% e 30%. Está ameaçada de expulsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) por falsificar índices de inflação. Jogou a cartada do congelamento, não deu certo. Entrou numa enrascada...
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