Os episódios ao redor do processo de renovação de concessões do setor elétrico implementado pela Medida Provisória (MP) 579/2012 - convertida na Lei n.° 12.783/2013 - marcam o descompasso entre o discurso de atrair investimentos no setor e a prática. Foram documentados vários episódios que deram péssimos sinais a quem planeja investir e, principalmente, a quem já provou que acredita no Brasil e já investiu bilhões de reais.
Improviso, desrespeito a rituais regulatórios, cálculos e regras sem referências técnicas sólidas e, mais recentemente, conflitos e contradições dentro do próprio governo federal colocam sob suspeita a clareza e a determinação do governo em garantir o ambiente para que os investimentos no setor elétrico aconteçam.
E que não paire nenhuma duvida: tais investimentos terão de contar com intensa participação privada porque o populismo tarifário imposto pelo governo às estatais sob seu controle asfixiou a capacidade de geração de caixa da Eletrobrás. Para um pais que precisa garantir energia para seu crescimento econômico, é difícil entender até quando o setor será vencido por interferências políticas que vêm destruindo a capacidade de investimento das empresas.
Durante anos, o governo disse que a renovação de concessões do setor elétrico não requeria pressa, mas, paradoxalmente, emitiu uma medida provisória elaborada a portas fechadas e sem audiência pública, ritual consagrado no setor elétrico e que tem sido adotado mesmo para decisões muito menos relevantes. Além do diálogo tratorado, prazos irrealistas para a análise dos parlamentares e das empresas, 431 emendas a MP 579 no Congresso Nacional (também tratoradas pelos aliados do governo) e tarifas definidas com base em notas técnicas que nem sequer foram aprovadas pela diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Além do processo impositivo, o conteúdo foi uma demonstração perfeita de como afastar investimentos: tarifas artificialmente baixas e indenizações que desconsideravam, sem nenhuma justificativa técnica, investimentos em melhorias realizados após a entrada em operação comercial das usinas hidrelétricas e que não reconheciam investimentos em instalações de transmissão realizados antes de 2000.
O improviso continuou até o final, e apenas em 29 de novembro - um dia útil antes do fim do prazo para a assinatura dos aditivos contratuais - o governo reverteu (via nova medida provisória) tais exciusões arbitrárias, e sem sustentação técnica ou econômica. Também admitiu erros em cálculos iniciais e corrigiu (via Portaria Interministerial MME/MF 602) o valor da indenização de diversas hidrelétricas.
Até o último dia o governo pressionou as empresas a aceitarem os termos propostos, inclusive com ameaças do diretor-geral da Aneel - que vestiu sem pudores a camisa do governo, esquecendo-se de que sua função de Estado o obriga a se distanciar de pressões de governo para se blindar de interferências políticas - na linha de que empresas que não aceitassem a prorrogação antecipada nas condições propostas poderiam vir a ser barradas do processo licitatório a ser realizado posteriormente.
Como se os episódios acima não bastassem para revelar o tipo de vaivém que não pode existir num setor de infraestrutura, agora, e após a assinatura dos aditivos dos contratos de concessão, a insegurança retorna: a Receita Federal tem indicado que pretende tributar as indenizações com a incidência de Imposto de Renda/Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e PlS-Cofins, em contradição com a prática regulatória e com o que foi acordado com o Ministério de Minas e Energia, pasta que precisa garantir investimentos para a expansão da oferta de energia.
Após os desgastantes meses de tramitação da MP 579, as empresas já se preparavam para um novo ciclo de planejamento cheio de desafios em razão dos abalos na geração de caixa. A ameaça tributária acima - que não foi incorporada as simulações feitas para subsidiar a aceitação dos termos de renovação - desconfigura o perfil econômico dos contratos, porque as indenizações calculadas não consideraram a incidência de tais tributos.
Se o governo federal insistir nessa tributação, a única forma de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro original é incrementar as receitas indeniza- tórias para compensar a tributação não prevista inicialmente.
As indenizações representam o pagamento por investimentos passados ainda não integralmente remunerados. Se tais indenizações forem tributadas, reduz-se o valor delas, configurando expropriação de investimentos - um sinal nada animador para quem pensa em investir no País. Além disso, a agenda arrecadatória não fazia parte dos objetivos tão propagados pelo governo e pela própria presidente da República com a MP 579: baixar tarifas e garantir investimentos, afastando o fantasma do racionamento de energia.
O governo precisa decidir qual é a sua prioridade: um aumento momentâneo da arrecadação ou a construção de um ambiente institucional capaz de atrair investimentos de longo prazo.
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