Como faz há séculos e séculos, um colégio humano escolherá o representante divino. À parte o paradoxo, o grupo de 117 cardeais tem mais problemas de representatividade do que o Senado brasileiro. O catolicismo não é nem pretende ser uma democracia, mas se o futuro ex-papa quisesse de fato reformar a Igreja deveria ouvir os números. Eles têm muito a confessar.
A Itália, sozinha, tem 28 votos no conclave que elegerá o novo papa, cinco a mais do que toda a América Latina e Caribe juntos. São menos de 58 milhões de italianos católicos contra quase 500 milhões de fiéis latino-americanos e caribenhos. Para quem tem problemas para segurar seu rebanho, a estratégia de alocação de pastores da Igreja parece mais brasiliense do que celeste.
A abdicação e os sermões subsequentes fazem parecer que o papa está descontente com o rumo da Igreja. Mas, a despeito de sua infalibilidade, ele orientou-a nesse caminho. A desigualdade na distribuição de poder eclesiástico aumentou sob Bento XVI.
Nada como estar perto do trono. Enquanto os italianos envolvem o Vaticano por todos os lados, os países que estão a um oceano de distância da Santa Sé têm que purgar os pecados para um seu nativo poder vestir o vermelho. No conclave que elegerá o sucessor de Ratzinger, a Itália terá oito eleitores a mais do que teve na escolha de Bento XVI - e a América Latina, um a menos.
Dos 67 cardeais nomeados pelo papa que abdica, 37 eram europeus (dos quais, 20 italianos) e 9, norte-americanos e canadenses. Só um terço das nomeações foi para o resto do mundo, onde vivem dois de cada três católicos. Pode-se argumentar que Bento XVI só preencheu as vagas que já existiam, mas isso significa que ele perdeu a chance de realocá-las para regiões emergentes, onde uma ação mais agressiva poderia repovoar os bancos das igrejas.
A política papal foi eurocêntrica e de manutenção do status quo. Nada fez para mudar o desequilíbrio entre número de fiéis e sua representação na mais alta instância de poder da Igreja.
Cada cardeal brasileiro, por exemplo, representa 14 vezes mais católicos do que um italiano, na média. É a tradição, dirão os tradicionalistas. É questão de fé acreditar que, como reza o Direito Canônico, os cardeais sejam nomeados apenas por serem "notáveis pela doutrina, piedade e prudência". A inquisição das estatísticas sugere que geografia e dinheiro falam mais alto.
Países cujas paróquias arrecadam dólares e euros têm proporcionalmente mais cardeais. Talvez porque sejam capazes de sustentá-los. Cada um dos 11 cardeais dos EUA representa menos de 6 milhões de católicos, enquanto cada um dos três cardeais mexicanos está à frente de mais de 40 milhões de almas.
As iniquidades encheriam uma catedral. O único cardeal filipino pastoreia quase 70 milhões de fiéis. Angola tem mais católicos que Portugal, mas nenhum cardeal, contra dois portugueses.
Os dois últimos papas eleitos foram os primeiros não italianos em 500 anos, mas tanto o polonês quanto o alemão vieram de países com super-representação de cardeais. Os seis da Alemanha representam pouco mais de 4 milhões de católicos cada um, e os quatro da Polônia, menos de 9 milhões por barrete. Na média mundial, há um cardeal para cada 10 milhões de católicos.
As confissões estatísticas sugerem que a reforma do poder católico - pregada por Bento XVI após ter pedido para sair - passa por uma política de cotas cardinalícias. Sem mudar sua geopolítica, a Igreja dificilmente sairá de onde está. A maioria das pessoas vai a Roma e não vê o papa, nem o segue no Twitter.
Saias e batinas. Mulheres nas Eleições de 2010 é uma pesquisa de mais de 500 páginas sobre a participação feminina nos pleitos para presidente, governador, senador e deputado. Apesar de terem crescido as candidaturas de mulheres para cargos proporcionais, elas continuam com dificuldade para se lançar ao Senado e ao governo. Uma das razões é o Clube do Bolinha nas direções partidárias. Mas empecilho maior é o dinheiro: candidatas mulheres arrecadaram até 45% menos do que os rivais homens.
Arrecadação não é um problema apenas dos cardeais do Terceiro Mundo.
Cotas universitárias. Segundo o Ibope, 62% dos brasileiros são a favor de cotas para facilitar a entrada de negros, pobres e alunos de escolas públicas nas universidades. Especialistas contrários às cotas argumentam que o apoio grande é reflexo do desejo genérico de diminuir a desigualdade social, não uma defesa ponderada das cotas. Pode ser. Ou talvez seja porque a maioria ainda é de excluídos. O apoio cresce na razão inversa da renda.
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