VALOR ECONÔMICO - 18/02
Uma amiga do Facebook levanta a questão: se nossos dois principais partidos são PT e PSDB, como o PMDB conseguiu obter a presidência das duas Casas do Congresso, além de já ter a Vice-Presidência da República? Dos quatro substitutos constitucionais da presidenta da República - um deles é o presidente do Supremo Tribunal Federal -, três agora pertencem a esse partido. Não é pouca coisa! Ainda mais porque o PMDB, se é um grande partido, não é o maior em bancada ou votos e, mais grave de tudo: suas ideias ou ideais são amplamente ignorados. Aliás, se ele não disputa há anos a Presidência do país, é justamente porque não tem proposta para o Brasil.
Quais partidos nossos representam, hoje, ideias? Certamente, PT e PSDB. Por isso são os finalistas nas campanhas eleitorais, os polos entre os quais gravita nossa política, que podem ter o apoio de qualquer outra agremiação, menos um do outro. Já o PMDB é apenas um gigantesco micropartido. Quando alguém se queixa das siglas de aluguel, dos partidos sem ideologia, das agremiações que existem só para se aliarem aos vitoriosos - tudo isso vale, de algum modo, para o PMDB. Daí que falte generosidade a quem pretende fechar uns micropartidos, alegando contra eles um princípio que também afetaria nosso partido hoje mais antigo, herdeiro das lutas contra a ditadura, mas que, ao desistir de propor algo inovador ao Brasil, se reduziu a uma confederação de lideranças regionais.
Com boa vontade, podemos acrescentar a esses dois partidos um movimento difuso, herdeiro da onda verde de 2010, que deu um quinto dos votos a Marina Silva mas mal tem representação parlamentar, governadores ou prefeitos e, até o momento, não dispõe de partido ou de um grupo de líderes. É uma sensibilidade em busca de atores, personagens, dirigentes. Teria eleitores, só lhe falta o resto. Tem minha simpatia, mas não irrestrita.
Mesmo partidos que em sua história tiveram momentos altos estão, hoje, amorfos. Além do PMDB, grande campeão da luta contra a ditadura, lembremos o PDT, de Leonel Brizola, o PPS, herdeiro do partido comunista que em 1989 viveu a memorável campanha presidencial de Roberto Freire, o PFL (hoje DEM), que nasceu para cravar o prego final no caixão da ditadura, o PV, que lançou Gabeira à Presidência, o PSB, que tem nomes para quem socialismo é mais que um retrato na parede... Pouco disso continua presente no dia a dia deles. Nosso sistema político é um jogo no qual cada partido pode se aliar com qualquer outro, exceto o PT e o PSDB um com o outro, e ainda assim olhe lá. Até o impedimento canônico de alianças entre PT e PFL/DEM caiu: para derrubá-lo, foi criado o PSD.
Isso é de todo mau? Não. Já se observou que esse território sem dono nem perfil, esse "Marais", se quisermos usar o nome cunhado na Revolução Francesa para o centrão da época, é o que permite ao Brasil uma governabilidade política talvez superior à dos atuais Estados Unidos. Lá, o conflito de dois partidos ata as mãos dos governantes. Aqui, o PMDB desata qualquer nó. Garante a governabilidade. Isso não é pouca coisa. Nos países que olhamos com certa inveja porque em tese funcionariam melhor do que nós, a arte da governabilidade consiste em fazer a minoria da população eleger a maioria do Parlamento - formando assim um governo que toma decisões e as executa, mesmo sem ter a maior parte da população de seu lado. Toma-se a maior das maiorias simples, que é convertida em metade mais um, em maioria absoluta. Há muitos truques para conseguir isso; o mais conhecido é o voto distrital. E, no fundo, é melhor sermos governados pela maioria simples do que não termos governo nenhum, ou governos que caem em semanas ou meses, como sucedeu na França e Itália ao longo de décadas, ou hoje na Bélgica, onde um sem-número de partidos não chega a acordo para formar um gabinete.
Mas há algo bastante decepcionante quando vemos que, com exceção de dois partidos e um sentimento, o verde, que ainda não é movimento, quanto mais partido, e feitas as exceções individuais de praxe (Cristovam Buarque, Luiza Erundina...), as demais bancadas do Congresso mal se dão ao trabalho de formular um projeto para o Brasil.
Poderia ser diferente? Poderia. Na verdade, há uma grande preguiça de pensar. Aqueles que não pertencem a nenhum dos lados poderiam promover uma reflexão, seja sobre pontos específicos, propondo leis ou pelo menos estudando temas como o sistema econômico, financeiro ou político, ou ainda o trânsito. Poderiam, assim, construir alternativas, a longo prazo. Na hipótese mais tímida, tal ação poderia obrigar as grandes famílias que disputam o poder, para valer, a levá-los em conta. É mais honroso ser procurado pelo PT, o PSDB ou os verdes em decorrência de estudos, projetos, ideias, do que apenas para somar votos no Parlamento.
Daí, finalmente, que eu não leve muito em conta os candidatos de outros partidos, que não o PT, PSDB ou o movimento verde, à Presidência. Michel Temer, Eduardo Campos e outros podem bem vir a ocupar o Planalto, mas somente por acaso - se a fortuna assim o decidir, por exemplo, caso uma desgraça aconteça à presidenta Dilma. Ou se tudo o mais entrar em crise. Temos três exemplos civis de eleitos pela "fortuna" no último meio século: Jango, Sarney, Itamar - para não falar em Collor, eleito pelo povo mas em circunstâncias de exceção. Contudo, em condições normais, a Presidência vai para quem tenha ideias sobre o que fazer com ela. Isto não é falha, aliás, dos nomes mencionados: eles apenas pertencem a partidos sem proposta. Seria melhor se a tivessem.
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