ESTADÃO - 18/02
Depois de mais de 40 anos, voltei a visitar Edimburgo, a magnífica capital escocesa. Juntamente com Glasgow, a cidade ocupou lugar proeminente na vitória intelectual do livre comércio sobre o mercantilismo, da ideia revolucionária de que comércio internacional traz benefícios mútuos a comprador e vendedor. Parece incrível que, passados dois séculos e meio, a ideia ainda enfrente dificuldades de prosperar, especialmente entre nós e alguns de nossos vizinhos.
A pujança intelectual da Escócia entre 1730 e 1790 é impressionante. Tem origens obscuras, embora certamente aparentadas ao calvinismo local e ao menor analfabetismo infantil da Europa. David Hume (1711-1776), Adam Fer- guson (1723-1816) e Adam Smith (1723-1790) são hoje universalmente conhecidos, mas o Iluminism. Escocês envolveu muito mais do que avanços filosóficos que convergiram para a consolidação da economia política e da sociologia: MacLaurin e Gregory, na matemática e na atuária; James Hutton, fundador da geologia moderna; Joseph Black e James Watt, pioneiros na química e na máquina a vapor. A escola médica era a mais reputada do mundo. Os irmãos Adam e Henry Raeburn são marcos na arquitetura e na pintura. James Boswell tomou-se referência literária mundial com a biografia do doutor Johnson e seus diários reveladores.
Algo surpreendente - dado esse retrospecto -, Edimburgo, no começo dos anos 70, na minha primeira visita, era uma cidade quase provinciana, com a oferta de bens e serviços dominada por disponibilidades locais. Suas boas livrarias não compensavam a pobreza do cardápio tradicional, com o "haggis" - tripas de carneiro - em posição proeminente.
Passadas várias décadas, a transformação da Escócia e de Edimburgo foi radical. Na esteira do petróleo do Mar do Norte, a economia transformou-se. Os estaleiros do Clydeside, as minas de carvão e a siderurgia quase desapareceram. Aumentou a importância do setor serviços. Edimburgo é um dos grandes centros financeiros europeus. Há quatro restaurantes estrelados no guia Michelin. Mesmo os indefectíveis restaurantes de cadeia têm qualidade média muito acima do que era corrente nna década de 1970. A especulação imobiliária afetou partes tradicionais da cidade, embora a "Milha Real" e a "Cidade Nova" (do século 18!) tenham sido preservadas. As livrarias, em compensação, pioraram bastante, tragadas pela preponderância das cadeias de âmbito nacional e pela devastação causada pela internet.
O processo ilustra as tensões relacionadas ao processo de globalização, na esteira da redução dos custos de transação, incluídos fretes, tarifas de importação e disponibilidade de informação.
A globalização gera ganhadores e perdedores. Matéria recente do Financial Times, de 9/2/2013, contrasta a qualidade dos empregos criados pela Ama- zon nas antigas regiões mineiras no Reino Unido com a estabilidade dos empregos "por toda a vida", típicos do passado. Hoje, a escolha da mão de obra não é entre a Amazon e a mina de carvão. É entre a Amazon e o desemprego. Certamente, cabe ao Estado adotar políticas compensatórias que minimizem essas tensões. Mas não cabem grandes dúvidas quanto aos benefícios líquidos que resultam da globalização.
Nas ilhas britânicas haveria, em princípio, hoje, terreno fértil para que o nacionalismo econômico colocasse as mangas de fora. Na Escócia discute-se a independência, depois de mais de 300 anos de união com a poderosa vizinha, e haverá um plebiscito decisivo em 2014. Não se imagina que seja vitoriosa a alternativa de independência, mas há certa incerteza. Para complicar as coisas, o primeiro-ministro britânico mencionou a possibilidade de consulta plebiscitaria em 2017 sobre a permanência do Reino Unido na União Européia. Embora os críticos tenham encarado a proposta como jogo de cena, isso complica ainda mais o cenário político escocês. Mas, em nenhum momento, coube dúvida quanto à postura em relação à globalização. A ênfase é em inovação, e não em proteção e estatização.
A crise mundial iniciada em 2008 justificou a adoção em escala mundial de políticas de estímulo à demanda de corte keynesiano e, com muito menos justificativa, de políticas protecionistas, tendo como objetivo tentar transferir o ônus da crise para o resto do mundo. O problema é que em muitos países em desenvolvimento, e certamente no Brasil, os interesses protecionistas latentes se aproveitaram do momento para promover a ressurreição permanente de políticas que, depois de grande sucesso até 1980, levaram o País à estagnação com inflação alta.
A estratégia de crescimento do atual governo brasileiro está baseada na volta à autarquia e necessita de persistente cunha entre os preços praticados no Brasil e os preços mundiais. Essa regressão ao mercantilismo não encontra eco nas economias que adotam políticas econômicas que façam sentido. A exceção é o mau exemplo da França, que, a esta altura da partida, parece considerar seriamente enfrentar a crise com mais estatização.
O governo brasileiro deveria buscar como exemplo para suas políticas a experiência das economias que tiveram mais sucesso em ajustar-se estruturalmente à globalização. Ou seja, olhar para Londres ou Edimburgo, e não para Paris.
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